Felicity

Hoje foi o dia mais frio desse inverno. Até então ainda não tínhamos tido razões para reclamar, mas hoje foi cruel. O vento frio fazia doer até a alma. Chego do trabalho e corro. Tenho pressa de sair. Um teste. Um teste tantas vezes adiado, me aguardava. Senti todo o terror daquela época de vestibular, quando todos os seus anos de estudo serão contabilizados em algumas horas de frente para uma folha que vai lhe qualificar apta ou não a ingressar no mundo real. Foi assim mesmo que me senti. Passei tanto tempo ouvindo falar das grandes universidades, dos centro de pesquisa, dos portões do conhecimento e de repente, me vejo cruzando esses portões e ao invés de sentir o calor da emoção, sinto o frio, no corpo e também na alma. Sinto frio por não ter com quem partilhar desse momento. É horrível a constatação de que já me acostumei a celebrar vitórias em silêncio. Estranhamente, me vejo diante daquele sonho que nem sei se era meu, mas o acolhi e o mantive vivo dentro de mim. É chegado o momento da passagem pelo portão dos sonhos. Sem mais ninguém ao lado... olho para frente, dou um passo adiante e vou seguindo meu caminho, desejando ardentemente que houvesse alí, uma mão para apertar, um sorriso acolhedor ou mesmo aquele simples olhar de cumplicidade.

Sei que minha espera não será em vão. Ainda me restam alguns minutos até o início do teste. Pego o telefone e de longe ouço a voz que me faz esquecer de toda a frieza, não do clima (abençoada seja a mãe-natureza) mas do mundo.

- Oi pai? Estou aqui na Harvard! A prova começa em poucos minutos, só liguei pra pedir a tua bênção.

- Que Deus te abençoe minha filha. Boa sorte! Está muito frio aí?

- Não paizinho, o frio que estava fazendo, agora já passou. E a noite promete ser linda! - Não menti. Os termômetros chegaram a marcar vinte graus negativos, mas meu coração estava quentinho na hora da prova.

A coordenadora me olha e pergunta:

- What's your name again hunny?

- Sandra, but today just call me "Felicity".