Efeito Colateral De Um Paradoxo Sentimental
Às três e quarenta e cinco da madrugada de ontem, dormindo parcialmente tranquila e inconsciente , sentiu que algo não estava muito certo. Virou-se de bruços. Depois para os lados. Derrubou o celular que foi parar debaixo da cama. Enrolou-se nos cobertores, bagunçou o lençol. Contraiu-se, debatendo-se e depois agarrou o travesseiro e ficou ali em posição fetal. Sentiu-se desprotegida como nunca. Sozinha como sempre, Confusa, contradizendo-se entre suas teorias de autossuficiência, solidão opcional e sua agonia atual. Vivendo e sentindo na pele a abstinência de uma droga de sentimento que mal sabe se de fato experimentou. Lutando contra sua falta de auto suficiência e com o fato de que às vezes não era quase nada. Sozinha, ali, naquela cama que agora parecia tão maiormente vazia. Sozinha, ali, com um peito tão estranhamente cheio. Devagar, receosa, abriu os olhos e fitou o teto. Preto. Mas quando ele estava ali o teto era de todas as cores. Fechou-os, olhou para dentro e soltou um grito abafado com os lábios trêmulos e uma face instável. Ouviu sua voz fraca. Gritou para dentro e ouviu o eco silencioso de suas palavras que não diziam e nem significavam nada. Sua mente a forçava acreditar precisar de mais cerveja, mais gatos, mais conhaque e mais cigarros. Seu coração insistia em afirmar: você não passa dessa noite sem ele. E de fato, ele não estava mais ali, como todos os outros. Alguém sempre se vai e nunca deixará de ser assim. O problema, é a ausência física paradoxalmente acompanhada da presença do cheiro. O problema é a escova de dentes azul que ainda está na pia, o dinheiro emprestado, dos segredos contados, momentos compartilhados, orgasmos unicamente incitados, lugares comumente frequentados e outro zilhão de castelinhos de areia que mais parecem arranha-céus de cimento e que insistem em não se desfazer com os diários vários baldes de água fria que ela joga em si mesma ao perceber-se pensando nele. Parou, pensou melhor, refletiu, aceitou, desativou o despertador do celular, abraçou o travesseiro e fincou nele suas unhas. Ao som de gemidos e chorinhos reprimidos e gosto de lágrimas que escorriam dos olhos à boca ela adormeceu. Mais uma vez sem saber se aquilo era outra forte crise da insônia, a acentuação indícios de morte ou só resquícios de amores mal resolvidos.