Os sustos continuam


                                                           



                                          Às vezes me pego conversando comigo mesmo. E começa não um monólogo, mas um interessante  diálogo,  que, muitas vezes, acaba em um triálogo, com recordações,  pensamentos, frases soltas e algumas reflexões.
                                        E nesse fluxo do pensamento, ora estou comigo mesmo, ora estou conversando com várias pessoas ao mesmo tempo. Consigo,  dando atenção ao pensamento, pegar o fio da meada da minha conversa com aquela minha amiga professora de português: - então é verdade que o uso da palavra num é coisa da língua francesa? E que fica muito feio na frase esse num?  sem dúvida- diz a minha amiga professora. Evite esse num, você verá que a frase ficará mais bela.
                                     De repente, a  minha amiga sai de cena e já me vejo chegando em minha casa. Porém, estou apenas com 11 anos de idade. Estava jogando bola na Praça Paris, no bairro da Glória, no Rio. Minha irmã, Naná, com 04 anos, sentadinha na areia da praça, brinca com seus bonequinhos, rodeada de outras  crianças da idade dela. Acaba meu jogo, e saio correndo, suado, cabeça de vento,  pensando em chegar logo em casa. Abro a porta de casa e...  Esqueci minha irmã, ainda praticamente um bebê, lá na praça! Ficou sozinha! Volto em desabalada carreira, coração aos pulos, quase saindo pela boca. Se minha irmã desaparece? Sinto que vou morrer! O que vou dizer para meus pais?  Corro mais depressa,  ainda, a cabeça girando, antevendo todas as desgraças do mundo. Tenho que tomar cuidado na travessia das ruas. Continuo correndo a mil. Chego, finalmente, na Praça, olhos arregalados, coração disparado, faltando-me o ar, totalmente sem fôlego. Lá estava, no mesmo lugar,  minha irmãzinha, alheia a tudo, cobrindo a sua bonequinha com um paninho, fingindo ser um cobertor. Sinto um alívio maravilhoso, de repente volto a enxergar  tudo direitinho, pois meus olhos até então, marejados de lágrimas, turvavam a paisagem. A vida voltou!  Corro pra ela, a estreito  nos meus braços, dando-lhe de novo a segurança que ela nem imaginava ter perdido.          Retorno feliz e  compassadamente para casa.
                                O pensamento não para!  Agora me vejo conversando com meu amigo Vandim sobre a estratégia a ser usada no nosso Júri do mês que vem. É preciso salvar o rapaz que está sendo acusado injustamente de homicídio.  Vamos repetir os argumentos que usamos no primeiro júri- diz o Vandim.  Penso: estamos sempre repetindo, será a vida uma repetição? Logo me vem à mente, já esquecendo o Júri do próximo mês ,  que eu mesmo já  fiquei perdido na ilha de Itaparica, na Bahia, quando tinha cinco  anos. Não me lembro se o coração disparou, mas ainda guardo comigo a sensação esquisita de  que o mundo tinha acabado e só tinha restado eu. Eu e o medo horrível de ficar sozinho. Pensamento puxa pensamento e os sustos por  que passei, muitos, desfilam em tal velocidade que não consigo acompanhá-los. Com muito custo dou uma freada nesses pensamentos malucos e, voltando ao presente,  ouço a voz da minha companheira  me chamando: - Gilberto, não esqueça que amanhã você tem dentista na parte da manhã! Recebo a notícia e, amadurecido e calejado com as assombrações da minha vida, racionalmente, nem ligo muito, mesmo sabendo que terei que tomar uma injeção de anestesia. Sou uma rocha firme, imagino!  Dou uma espreguiçada, dominando o ambiente, com um sorriso vencedor nos lábios, quando ouço a voz da mulher, novamente: - olha, sua mãe telefonou e disse que sua filha mais nova, a Alessandra, está tendo aulas de boxe, não é estranho? Ela já está com 32 anos. Sei não, mas  parece que o meu  velho coração deu um pequeno solavanco e a terra tremeu ligeiramente. Penso: " minha filha, tão feminina, não poderia ter escolhido outro esporte?"  Levanto-me da cadeira e apelo, mais uma vez,  para o meu remédio caseiro: Afinal de contas, MERDA!!!


                 Nota:  A foto é do tempo em que perdi a minha irmã. Na foto, eu e minha irmã Naná (Anamaria).
                          Além do trabalho, que vem me encurtando o tempo, viajarei, o que provocará minha ausência, mas responderei, na medida do possível, a quem me escrever. Desta vez, não farei previsão de retorno, porque erro sempre nas previsões (rssssss). Abraços em todos os amigos e amigas. Gilberto