Um distinto camaleão

Eu sou um distinto camaleão. Me adapto em qualquer ecossistema onde venho a me aventurar, seja por vontade própria, seja por força das improváveis circunstâncias. Basta uma simples canção invadir o meu campo de avaliação pessoal como um fulminante trem-bala que os meus sentidos se atém ao recente visitante sonoro, não importa quais artimanhas estejam ao dispor dessa canção, ignorando os dogmas propostos pela a que se resume o meu esconderijo. E se algum cacique dessa tribo quiser lançar o seu apito contra as evidências que ameacem a suposta dignidade apregoada nessa aldeia, eu o direi: - Você pode determinar em alto e bom som as paixões que cada integrante dessa tribo irá seguir, mas isso só vale durante os seus sagrados rituais. Mas, findando-se esse momento nobre, cada um se recolhe em seu refúgio próprio, sem medo das aparentes controvérsias que se debatem sobre o que você estipula aqui. Pois o mundo por si só já é uma natural contradição. Desde o surgimento dos primeiros povoados até a onipresença da tecnologia, agregando até mesmo os mais avessos ao espelho moderno. O que se pode compreender irrefutavelmente é o inesperado fato do headbanger se envolver por uma batida do glam new wave, um punk-rocker se embrenhar nas cortinas límpidas e reluzentes das canções new-age, um amante convicto da música brega se escangalhar com a incontrolável maquinaria sanguinolenta do death metal, um funkeiro carioca sendo absorvido pela imortal essência da música erudita. Enfim, esse papo de que cada um deve seguir a sua tribo é de uma boçalidade que será facilmente transposto pela nossa freqüente natureza.Nós não adotamos critérios para escolher o que apreciamos na vida. Isso é uma questão de.......uma reação natural. O que se incorpora fixamente à nossa mente e ao nosso coração passa a determinar o que iremos curtir e o que iremos seguir. Sem previsões, sem estratégias prévias, sem auto-arbitrariedade. Mesmo assim, ainda tem uns dementes ambulantes que integram gangues que provocam irascíveis badernas por conta dessas “diferenças”. É metaleiro contra punk, punk contra skinhead, skinhead contra metaleiro. Conflitos insignificantes, enraizados nesse princípio descartável dos rótulos musicais, que só fazem crescer as rudes, incendiárias e temerárias flores da discórdia, reforçando ainda mais a descrença implacável no próprio ser humano. Por isso, prezado amigo, é uma lamentável perda de tempo essa sua tentativa de restringir o curso natural de nossas identidades. Para os que insistem em censurar, a solidão será o seu mais honrado prêmio.

E assim vou dando seguimento à essa minha inofensiva e conciliatória filosofia. Porque para quem tem uma mente aberta e extensa como uma generosa avenida, sempre caberão várias e várias tendências, sem retenções, sem congestionamentos. E isso também vale para ouras variações de arte feitas para serem devoradas como cinema, literaura, pintura, teatro, artes plásticas, esculturas, e até mesmo a televisão (cabeça feita nunca se ressabia daquilo que segue).

Como conselheiro, sou um eterno principiante banhado em uma piscina de piche, mas vou lançando a minha humilde dica. Nunca enxergue aquilo que você tanto idolatra, que te arrebata constantemente, que te consome o fôlego e te deixa em um estado semelhante a uma camiseta amarrotada de um insone em uma madrugada torturante, que enobrece o seu coração de lágrimas, como uma maldição a ser extirpada de suas veias. A verdade que habita dentro de você pode ser muito mais prazerosa do que você imagina e ela se encontra magistralmente emoldurada na parede das lembranças edificadoras dos áureos momentos de sua trajetória. Renegar o que te prende é um ato tenebroso, que pode custar as chances de desfrutar esses momentos que podem te conduzir ao encontro com o lado mais esplêndido da Lua. A pluralidade de gostos, tendências, estilos e personalidades concentradas em um único ser nunca distorce a autenticidade conquistada, muito pelo contrário, ajuda no processo de consolidação de identidade do ser humano, provando que para “ser você mesmo” é necessário se enveredar por diversas esferas que compõem esse nosso pequeno refúgio do Sistema Solar e se camuflar honestamente nestes ambientes, absorvendo muito mais que aparências. Apenas conceda o seu foco e atenção à tudo aquilo que possa te apresentar à impávida felicidade, mesmo que isso dure alguns míseros segundos (Mas espero que esses segundos se convertam a abundantes milênios.). Ser você mesmo na verdade é assumir as múltiplas faces marcadas no seu eu.

David Bowie, obrigado por você ter me indicado esse indescritível prazer de ser versátil. Minhas provas de gratidão sempre serão insuficientes perante a sua influência no meu estilo camaleônico de ser. Valeu eternamente!

Diego Pedra
Enviado por Diego Pedra em 18/06/2012
Código do texto: T3731632