Um camelo de grupo no Planalto

Sou um leitor inveterado das Ilusões perdidas, de Balzac, romance genial até nos seus defeitos. Tenho lá, sublinhado em vermelho, o trecho em que o escritor francês, citando os filósofos, declara com todas as letras que os vícios da juventude voltam com mais força na velhice.

Quando deparei pela primeira vez com esse aforismo, por volta dos meus vinte de idade, ele deixou-me tão impressionado, que resolvi fazer uma pequena pesquisa com os pinguços mais velhos de Marechal Hermes. Pude comprovar que a pavorosa intuição balzaquiana funcionava. Todos os meus entrevistados bebiam menos que na juventude, é verdade, mas ficavam de porre mais rápido e iam com mais freqüência ao botequim. Alguns, inclusive, não saíam do porre nem do botequim.

Hoje, aos cinqüenta e sete anos, considerando que a sentença vale, de fato, para todos os vícios que tivemos na juventude, já deu para eu sentir que minha velhice, se não houver acidentes de percurso até lá, vai ser um verdadeiro inferno.

Já na última semana, fisgado insidiosamente por esse palíndromo perfeito que é a Medida Provisória 232, voltei a jogar no bicho, coisa que não fazia desde o século passado, depois que os bicheiros caíram em desgraça e começaram a perder feio para a concorrência oficial, com toda essa farra de loterias comendo os trocados do cidadão comum.

Meu raciocínio de abstêmio em recaída era imbatível: já que o governo estava a fim de avançar no meu bolso (sou prestador de serviços, teor da MP), por que não arranjar uma graninha com o palpite? Para dar um verniz pascaliano a esse tipo de sustentação teórica — devem estar lembrados da famosa teoria da aposta de Pascal (le pari) —, argumentei, com a cara mais lavada do mundo, que, se o sonho era a matéria-prima do apostador de bicho, o pesadelo generalizado com a MP tinha todas as chances de estourar qualquer banca.

Um velho colega dos AA (Apostadores Anônimos), para quem liguei antes de fazer minha fezinha — eu devia estar me sentindo muito culpado —, ainda tentou lembrar-me de que o nosso mais importante mandamento era evitar o primeiro palpite; depois do primeiro fatalmente viriam outros e outros mais, e ele não me dava um mês para que eu estivesse novamente encrencado com os bancos ou, na pior das hipóteses, com os agiotas.

Sombrio como fosse o quadro — o dele e o da própria votação da medida provisória —, joguei. Joguei com a cara e a coragem. Joguei uma nota preta no camelo tributário (ou dromedário, sei lá), invertendo e cercando a centena 232 com toda aquela malandragem do apostador que sabe das coisas e até assusta o banqueiro. E deu camelo. Camelo 229. Se tivesse ao menos arriscado um pouquinho no grupo, nem tudo estaria perdido. Mas jogador esperto não joga no grupo. Como todo palpite que se preza vale por três dias, se não mais, amanhã ou depois eu pego ela.

[17.4.2005]