O BAR DE GÉO em BOM CONSELHO

Por Carlos Sena


 

 
Sempre retorno. Retornar é próprio dos que não se perdem no caminho da volta, principalmente quando se volta ao “útero”. Essa é a palavra certa, pois voltar a terra em que nascemos significa incursionar um pouco na psicanálise existencial, embora não seja disto que queremos falar. Retorno sempre, independente de festa. Minha festa eu mesmo faço, posto que me basto de sobras imemoriais dos tempos em que a gente se bastava com as festas de lá de fora, como que tendo certeza de que elas iriam compor as nossas festas de lá de dentro, principalmente quando a saudade apertasse.
Nesse retorno, lembrei-me do bar de GÉO. Logo cedo, acompanhado com um colega de trabalho chamado BELÉM chego lá. Motivo? Comer cuscuz com leite, café e queijo de coalho assado! Pra que melhor motivo? Tudo muito simples e nem precisava ser melhor. Cada um que chega se sente meio que em casa. Um fala com o outro, dá uma risada, mexe, faz uma “goga” e, não raro, lá se vai um satisfeito de bucho cheio e seu palitinho na boca. Danuza Leão se arretaria com essa história de palito, mas ela que se lasque com seus rebusques exagerados de etiqueta. Fato é que no melhor de tudo, eis que me passa roçando o ombro ele, Zé Arnaldo – amigo de infância e ex-prefeito de Olinda! Deve não ter me conhecido, imaginei. Puxei o caba pelo braço e foi aquele auê de felicidade. Ele sentou e eu apresentei o Belém e só rolou um papo meio que política misturado com reminiscências do que um dia fomos nos tempos de escola. Dentre outras coisas, me confessou seu amor por Olinda, mas pela sua fala, Bom Conselho não se larga dele nem que ele queira. Finalmente veio o cuscuz com leite. Aff Maria, quanto cuscuz! Um monte que dava pra duas pessoas. Ele logo se dispôs a dividir comigo e foi o que fizemos. Depois, sabedor que ele é um fazendeiro e que no dia de sábado é dia de pepino pra resolver, deixei-o a vontade pra ir embora. Ele se despediu de mim e foi lá dentro falar com GÉO. Pra não esquecer: disse-me ele que agora não é mais comunista, ou coisa do gênero, mas que mantém bons amigos no partido, salvo engano. Falou de Lula, mas não vou dizer em que tom... Rir é o melhor remédio e ele sabe disto melhor do que eu ou, no mínimo, sabe que o apressado come cru, com “erre” no meio.
Chamo o garçom e peço a conta. “Já tá pago” ele disse. Quem pagou, perguntei. – Zé Arnaldo, respondeu. Ok, disse eu ao garçom e fui embora pensando no tempo que tira de nós pequenos gestos iguais àqueles que só na minha terra talvez a gente encontre. Continuei matutando: “engraçado, vou a Bom Conselho fazer uma coisa e volto com outras”. Que outras? A recuperação de que as relações de verdade ainda sobrevivem, mas talvez só em cidades do interior em que a “esperteza” da cidade grande acompanhada da maldade, do “caso pensado”, do egoísmo ainda não tenha contaminado o povo. Na verdade eu já estava esquecido de que aqueles gestos simples tão costumeiros na terra da gente existissem. A gente sempre gosta de passear pelas ruas, ver a cidade. Nem sempre a gente vê gestos, pois esses não estão às vistas. Eles são do caráter das pessoas, das suas atitudes.
Naquele dia eu saí do bar do GÉO renovado e entendendo o porquê nossa terra é meio que o nosso “útero”. Poderão dizer que foi porque o ex-prefeito pagou a conta. Não foi. Um dia eu talvez nem tivesse tido dinheiro pra comprar uma bolacha, mas hoje eu tenho pra comprar uma padaria, graças a Deus. Zé Arnaldo é um dos nossos. Géo é um dos nossos. Judite, a prefeita, é uma das nossas. Cada pessoa que passa por nós em qualquer lugar da terrinha é um dos nossos. Sempre que eu digo que “sou daqui” a quem me pergunta de onde sou, vejo a festa que fazem. E nem sabem quem, de fato eu seja. Talvez pelo sentimento de amor coletivo dos papacaceiros diante de cada um que morando fora vem visitar.
Assim, renovado, repito: é preciso que a gente não só cuide de manter praças e ruas e jardins. É preciso manter gestos simples como sentar no bar de Géo, comer cuscuz com leite e beber gente como Zé Arnaldo e tantos outros. Um papo zen. Pagar a conta? Isso é um detalhe que menos importa a incumbência. Afinal, o prazer de rever o outro e sabe-lo bem e feliz não tem preço. Valeu Zé.