Morte e ressurreição
O sonho de ser enfermeira estava sendo realizado numa universidade. E precisava ser complementado por estágios em hospitais. Viviane já cumpria o seu terceiro estágio, lidando com idosos na ala da Geriatria. E estava gostando muito, pois os velhinhos pareciam mais carentes do que os jovens e as crianças dos estágios anteriores. Cuidava de cada um deles como se estivesse cuidando da sua própria avó. Sabia que doar amor e dedicação era básico para a profissão que escolhera.
A enfermeira-chefe esperava Viviane com uma má notícia naquela manhã, quando ela chegou para trabalhar: “Teu paciente preferido faleceu há uns 40 minutos. Podes começar o dia preparando o corpo dele para o velório. Já avisei a família. Daqui a pouco eles estarão chegando”. O corpo do seu amigo Pereira ainda estava no leito. Viviane relembrou, em poucos segundos, a alegria daquele homem e a sua vontade de viver. E o seu jeitinho de chamar o seu nome com uma voz fininha, abreviando carinhosamente para “Vivi”. Viviane ainda lamentou com o paciente da cama ao lado a morte do seu amigo. Ele também estava surpreso, pois Pereira morrera dormindo, sem nenhum grito ou gemido.
O quarto-enfermaria ainda estava quase no escuro, enquanto Viviane preparava os pedaços de algodão para colocar no nariz do paciente morto. Sabia muito bem que precisava se acostumar com a morte, pois ela estava sempre rondando os hospitais. Envolvida nestes pensamentos, terminou de acomodar os algodões, o frasco com álcool e as tesouras numa bandeja. Quando já estava se encaminhando para a cama do morto, escutou baixinho aquela voz fininha tão sua conhecida: “Vivi, Vivi”. Deixou cair a bandeja com tudo o que havia dentro. Parada no meio do quarto, notou que o Pereira, que havia sido dado por morto, se mexia na cama e chamava por ela. Foi se aproximando bem devagar, muito assustada...
Mas o pior estava por vir: o paciente da cama ao lado, ainda meio dormindo, também ouviu o “morto” chamando pela Vivi. E o susto dele foi tão grande que, mesmo cheio de tubos nas veias, pulou a grade da cama, derrubando tudo e batendo com a cabeça num botijão de oxigênio que estava ao lado do leito. Viviane não sabia se atendia o “morto”, que “ressuscitara” e já estava sentando na cama, ou o outro que jazia numa poça de sangue no chão. O barulho e a confusão terminaram fazendo o quarto se encher de enfermeiras e médicos. Veio gente até dos outros andares. Para completar o caos, a família do “morto” estava chegando, aos prantos, exatamente naquele momento...
Tudo esclarecido: o “morto” havia sofrido um ataque cardíaco e, milagrosamente, depois de mais de uma hora, voltara para a vida como se nada tivesse acontecido. E os familiares, rindo e chorando, festejavam a “nova vida” do Pereira. O outro paciente já estava no leito, depois de ter a cabeça devidamente costurada. Viviane, no meio disso tudo, continuava fazendo o seu trabalho, como se nada tivesse acontecido, apesar de ter levado mais de uma hora para se recuperar do susto. Só a enfermeira-chefe e o médico que havia examinado o suposto morto estavam com caras de poucos amigos por causa da inesperada “ressurreição”...