Odisséia - Um experimento




Que tudo o que acontece sirva de lição é coisa sabida, mas apesar disso, coisas acontecem assim do nada e eu penso: que lição posso tirar disso?


Se alguém me contasse eu teria dúvidas, mas vi com esses pobres olhos que infelizmente a terra também vai comer, dois cheques da minha pequena Fábrica de Pães adulterados de uma forma tão perfeita que se eu fosse Caixa em um banco pagaria sem pestanejar.

Pelo menos para mim tudo começou assim embora eu já tenha ouvido a história de outros jeitos, mas só posso contar daquilo que participei.

Primeiro foi um de nossos pequenos fornecedores que recebeu o pagamento pela mercadoria vendida com um cheque pré datado e, vencido o cheque, ele juntou todos os que tinha para aquela data e foi depositá-los no Banco, em um daqueles dias em que todas as pessoas da cidade resolveram que era dia de ir ao banco. Deve ter reclamado da longa fila, isso eu imagino, porque ele não confessou, mas o caso é que ficou de papo com um cara bem apessoado que condoído se ofereceu para comprar seus cheques pelo valor nominal exato, sem faltar nem passar um tostão e ele todo feliz aceitou e foi pra casa com o dinheiro nos bolsos pensando ter feito um ótimo negócio e assim falou para a mulher, que sendo mulher e principalmente sendo a mulher dele e sabendo o marido que tinha fez com que ele tomasse algumas medidas sensatas e preventivas. Ele avisou todos os emitentes dos cheques o que tinha feito e que estava temeroso de ter feito uma grande bobagem, mas de minha parte não vi o que eu poderia fazer para remendar essa bobagem, o jeito era esperar sem pensar muito no assunto e ficar de olho no extrato on line para ver se o cheque surgia de uma forma ou outra tal qual emitido ou adulterado. Mas o dito cujo, certamente ouvindo os conselhos da mulher procurou um Posto Policial o que foi muito louvável de sua parte, louvável também a atuação da PM que lhe deu ouvidos e ficou de butuca, penso que a paisana, penso também que avisaram aos bancos porque pelo menos um deles ‘já estava esperando. Ou parece. E aqui termina a primeira parte dessa história.

A segunda parte dessa história, pelo menos a segunda parte da parte golpista, porque em relação a mim houve outras implicações, logo para escrever e contar tudim tudim como o troço aconteceu até aos finalmente vou precisas de outras partes. Então vamos a segunda parte, estando eu no Banco resolvendo telefonemas de contas de pessoa física e tendo a gerente saído um minuto do Box em que estávamos, meu telefone tocou e após a indecisão de praxe já que por lei é proibido usar o celular dentro de Agências Bancárias, resolvi atender assim mesmo e qual não foi minha surpresa ao ver que a pessoa que me procurava era a Gerente de Contas da minha Fábrica de Pães querendo saber se de onde estava eu poderia falar porque ela estava precisando de mim e embora o correto seria eu não poder falar, já que estava dentro de uma Agência Bancária, resolvi pagar para ver e dizer a ela que eu estava ali, do outro lado do corredor e ela disse então que em um minuto estaria lá onde eu estava e tão rápido que nem deu tempo para especular o que ela queria, ali chegaram três senhores bancários muito bem vestidos de bancário em exercício, com um cheque na mão e perguntaram se eu havia emitido o tal cheque e eu não caí assentada porque já estava assentada porque o cheque era no valor de quase dez mil reais, mas a assinatura ali no cheque era a minha, tinha eu certeza que sim, mas não tinha a menor idéia de para quem eu dera o cheque e de quanto realmente o cheque era o que me levou a ter que acionar o meu gerente por telefone e após uma pesquisa um tanto quanto demorada comprovou-se que o cheque tinha sido dado a um de nossos padeiros em pagamento por seus serviços já há alguns dias atrás.Tão rápido quanto chegaram os gerentes se eclipsaram, um deles levando o cheque na mão, mas não sem antes todos garantirem que o cheque não seria pago e que a polícia estava à espera para prender o golpista. Não seria necessário eu contar o que vou contar agora, porque nada tem a ver com a história principal, mas o caso é que eu sou diabética e de vez em quando, ficando sem comer por mais de três horas eu vou ficando bamba e esquisita, eu até digo para mim mesma que estou sendo abduzida, mas como nunca fui abduzida não sei se os sintomas são parecidos e aí eu preciso engolir qualquer coisa e não tenho vergonha de pedir, é melhor do que desmaiar e assustar todo mundo e sendo assim pedi a minha gerente que me trouxesse, por favor, um cafezinho e ela saiu apressada e além do café quentinho trouxe meio pão francês com manteiga e eu nunca comi coisa tão gostosa na minha vida, porque aquele pão com manteiga e cafezinho devolveu-me as forças perdidas e mais que isso o pão é um produto da minha Fábrica de Pães, porque somos nós que produzimos para o lanche dos bancários e a Gerente ainda fez questão de dizer uma verdade que ninguém discute, é o melhor pão de sal da cidade. Puxa vida, já fazia quase dois anos que eu não comia pão com manteiga.

Voltando ao assunto pertinente chamei meu funcionário pedindo-lhe explicações sobre o destino do cheque que lhe fora dado e ele logo nos esclareceu que estando trabalhando para mim não poderia ir ao banco trocar o cheque o que me fez anotar imediatamente em minha agenda mental que não posso fazer o seu pagamento em cheque que preciso providenciar reais em espécie para lhe pagar, mas como ele ia dizendo, não podendo ir pessoalmente ao Banco pedira a um colega, também funcionário de minha Fábrica de Pães (daqui para frente todas as vezes que tiver de escrever Fábrica de Pães escreverei PR que são as iniciais de nossa Fábrica de Pães, Padaria Rocha, sendo que o nome oficial para efeitos legais é GEMELO COM. E IND. LTDA) que fora em seu lugar e lhe trouxera o dinheiro e este foi imediatamente chamado e o danado quase meteu os pés pelas mãos, pois garantiu quase jurando que tinha trocado o cheque no Caixa e explicou em detalhes como teve que mostrar a identidade e assinar nas costas do cheque e que não sabia o nome de quem lhe trocara o cheque, mas que seria capaz de reconhecer o que me levou a buscar a comprovação desse fato no extrato on line porque se o que ele disse era verdade a baixa do cheque estaria lá registrada, mas ficando claro que não estava, ele não teve como deixar de admitir que trocara o cheque com um estranho, menos os centavos que ele disse a quem lhe tinha pedido o favor de trocar o cheque que havia levado para sacar e que sentira confiança no cara que lhe propusera a troca porque viu na mão do cara outro cheque nosso, de outro banco e... e aqui em vez da história acabar encompridou mais porque o outro cheque, o que déramos ao fornecedor de repente vinha também fazer parte da história sendo que por causa disso me vi na obrigação de ligar para o outro banco avisando o que estava acontecendo e o gerente de lá me pediu que fosse imediatamente ao Posto Policial fazer um BO para que ele pudesse sustar o cheque, mas como a essa altura os Bancos já estavam fechados fui fazer meu lanche ali na PR mesmo e só depois, andando devagar que a essa altura os pés já doíam, mas quando cheguei lá não pude entrar imediatamente porque um policial não deixou já que lá dentro estava acontecendo um interrogatório muito sério, mas se eu quisesse lhe dizer o que eu queria ele tentaria me ajudar e quando eu disse, mal acabei e já estava lá dentro do Posto onde dois meliantes estavam sendo interrogados, adivinhem por quê?

E aqui tenho que passar para outra parte da história, pois lá dentro já encontrei o meu pequeno fornecedor, aquele do cheque do outro banco e os policiais que interrogavam um dos meliantes que estava com as mãos para trás, algemadas e pedia água e alguém lhe deu depois de desalgemá-lo sem antes deixar de brincar que fazia isso porque senão os Direitos Humanos acabariam com ele por negar água a um bandido, mal sabendo ele que eu faria um pequeno escarcéu se ele negasse essa água, mas não foi preciso ele gentilmente liberou as mãos do indivíduo e lhe deu água e lhe recolocou as algemas de forma confortável e o interrogatório recomeçou e eu e meu fornecedor assistindo e de relance vi na outra sala, também algemado em uma cadeira e ali fomos ficando e ouvindo, mas quase nada falando porque quase nada nos era perguntado, mas pude perceber que os policiais pensaram que o tal do meliante tinha dado o golpe diretamente em mim o que me deixou bem ofendida porque cair em um golpe desses é muita ingenuidade e eu iria ficar bem envergonhada quando tudo viesse a público.

Já cansada e sendo ali apenas um zero a esquerda, pois de mim não precisavam, pedi para ir embora e após um tempinho que podia ter sido até menor fomos liberados, o meu fornecedor e eu, com o aviso de que poderíamos ser chamados na Delegacia de Polícia Civil, que ali era apenas um Posto da Polícia Militar e quem iria conduzir o inquérito seria a Polícia Civil, poderíamos ser chamados a qualquer hora do dia ou da noite, daquela noite mesmo e daí fomos embora ele, o meu fornecedor, não sei para onde, eu para minha casa onde tomei banho e me preparei para ir a um aniversário de pessoa querida e não levei o celular, esquecendo-o de propósito, mas ali chegando mal tendo comido uns quibezinhos e bebido um copo de cerveja minha irmã liga para a Casa de Festas dizendo que a polícia estava a minha procura, queriam que eu fosse à Delegacia, um lugar longe e horroroso, mandariam um carro me buscar, agradeci, sei que quem não deve não teme, mas circular pelas ruas da cidade quase inteira em um carro de polícia de modo nenhum é meu sonho de consumo, agradeci e preferi ir de táxi, vai que indo em meu carro, o Mr. Green eles me peçam para fazer o teste de bafômetro e eu vou ter que recusar, sim, eu sei, quem não deve não teme, mas quem já leu Kafka de jeito nenhum fica surpreso quando uma coisa dessas acontece e acaba do lado de dentro das grades.

O taxista que me levou foi muito simpático, levou e ficou esperando, a meu pedido, é claro que com o taxímetro ligado, mas quando voltou, surpreendentemente não me cobrou o período em que ficou parado e eu fiquei muito grata por isso, mais grata ainda por ter ficado ali me esperando naquele lugar de energias ruins e lá dentro outra vez veio o Senhor Delegado me perguntando se eu era a pessoa em quem o golpista tinha dado o golpe e eu tive de rebater dizendo que apesar dos cheques serem de minha firma, eu não fizera negócio nenhum com o dito senhor, encaminhou-me ele então para uma simpática escrivã que pediu-me que esperasse porque estava encerrando um trabalho ou coisa semelhantes e eu lhe disse que um taxista estava me esperando, se ela pudesse me atender logo seria ótimo e até fiquei surpreendida quando ela assentiu e passamos logo ao depoimento e mais de uma vez tive vontade de pedir para ela deixar que eu assentasse em frente ao seu computador,  eu mesma escreveria toda história como estou fazendo agora, mas me contive e depois de idas e vindas com algumas correções de minha parte,  ela imprimiu o depoimento e pediu que   eu o lesse e assinasse, o que fiz com laboriosa atenção e estando tudo perfeitamente correto deixei ali a minha assinatura, pensando que tudo se encerrava ali, mas que triste ilusão, já no dia seguinte recebi telefonemas pedindo que eu gravasse alguma coisa para sair no jornal regional de uma grande emissora de TV Nacional e notando a minha indecisão foi me prometido que eu podia dar o depoimento de costas e com a voz adulterada, mas alguém pode imaginar eu me escondendo atrás de uma voz metálica e ficando de costas para uma Câmera?

Acabou? Que nada! Quem tem família grande e palpiteira como eu tenho só pode dar a coisa por encerrada quando todos dão o seu palpite final e o palpite final foi dado por minha mãe que fazendo mentalmente as contas chegou a conclusão que se as pessoas que venderam os cheques receberam o dinheiro  que eu lhes devia e esse não saiu de nossas contas então quem levou todo o prejuízo foram eles, os dois golpistas e que, portanto, esse dinheiro que está sob a minha responsabilidade precisa ser imediatamente devolvido para os seus legítimos donos sob pena de eu ter que me sentir como uma ladra, Jesus, Maria e José, será que ela não sabe que aquele que rouba de ladrão tem cem anos de perdão.
 
 
 
 
 
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Odisseia - Um experimento