Crônica de um dia

Vejo a manhã nascendo. O sol, vermelho ainda, de sono. Vejo o

leiteiro variando de casas. Faz o mínimo possível de barulho. Agorinha

mesmo virá o padeiro. Este é mais preguiçoso e sem-educação. Não se

preocupa com ainda dorme. Dá o seu berro costumeiro. O sono sai se-

gurando a cesta de pão. Alguns reclamam. Outros agradecem. Dona

Xiquinha bajula: __ Ó, eu nem uso dispetadô. Cê sempre me acorda na

hora certa... Quando o padeiro desaparece na curva da rua, o sol já tá

todinho sem-vergonha. E a responsabilidade sai pro trabalho, pra escola

comentando:

__ Qui frio danado...

__ A cama tava tão boa...

__ Quase não dormi esta noite...

__ Viu que hora o Zé Chegou? Bicudo que nem gambá...

Vejo a rua se transformando. Do quase silêncio, passa-se aos peda-

ços de risada, as conversas altas, aos gritos exagerados, ao barulho

dos carros, ao apito dos trens, das fábricas...

Vejo o dia marcando passagem. Vai se desenvolvendo conforme a

necessidade de cada um. E é exigente. Tão exigente que todo mundo

procura não marcar bobeira.

Vejo a tarde chegando. Vem cansada, nervosa, faminta.

__ Pô, dei um duro que nem burro...

__ Minino, vem tomar banho...

Vejo a noite se aproximando. Cheia de mistérios e segredos, cui-

dados, planos, namoros...

Quase meia-noite. Ah, que sono. Boa noite...