Paradoxo de Darwin
Nunca conheci alguém que tenha mudado tanto de casa quanto eu. Era raro começar um ano letivo morando no mesmo lugar. De todas as novidades que a turma colocava em dia, o meu novo endereço sempre tinha lugar de destaque.
- É no mesmo bairro. Uma rua próxima. Bem legal, até. – dizia eu, constrangido pelo olhar arrogante dos burguesinhos da classe.
A solidão que vivi fora do âmbito escolar devia-se a falta de tempo de fazer amigos na vizinhança que estava. Com a partida em pouco tempo era quase certa, nunca me detive em estabelecer relacionamentos. Por que vínculos? Seriam tristemente desfeitos em meses. Poupava uma dor com outra.
O título de pessoa civilizada era injusto, já que vivia como um verdadeiro nômade. De casa em casa, de bairro em bairro. Hoje compreendo o apelido que ganhei de um amigo mais velho, Cigano Igor – jurava que era por causa das batas chamativas que usava.
O tempo de permanência em um local coincidia com a paciência do proprietário. Se minha irmã arranjava um namorado, a proprietária era mulher. Paciência de mulher é invejável.
Apesar das dificuldades sempre há o lado bom. A duras penas aprendi a me adaptar. Sem recursos ou voz ativa para alguma decisão, até os dez anos fui um autêntico camaleão. Adequava-me facilmente a todo tipo de estrutura. Casa apertada sem pátio para jogar bola; dividir quarto; apressar o tempo do banho; usar “boa-noite” para afugentar os mosquitos; entre outros.
Darwin estava certo. Sobrevivem os que se adaptam. Adaptei-me para sobreviver. Sobrevivi.
Adaptei-me a dura realidade que vivemos. Adaptei-me as dificuldades da maturidade. Adaptei-me a corrida desenfreada por dinheiro. Adaptei-me às injustiças que alguns cidadãos são submetidos. Adaptei-me às covardias que a sociedade impõe. Adaptei-me ao desinteresse pela integridade política.
Adaptei-me, também, às novas formas de estabelecer amizades: Facebook, msn, Twitter, Orkut (por mais obsoleto que possa parecer). Adaptei-me a ideia da casa do Grêmio não ser mais na Azenha, mas no Humaitá. Adaptei-me a ir ao cinema em shoppings e não mais no charmoso Guarani Imperial na Andradas.
Mesmo com todo ciclo evolutivo que se deu em poucos anos, muitos ainda possuem seu lado Gabriela – eu nasci assim, eu cresci assim, vou ser sempre assim, Gabrieeela! Não seria diferente comigo.
A seriedade da vida adulta não me fez abandonar velhos hábitos. Por exemplo, meu apreço por quadrinhos. A profundidade que encontro em um arco de histórias do Batman não se compara a limitada estante de mais vendidos em algumas livrarias.
Em uma era digital, onde a informação está cada vez mais compactada e a leitura mais burocrática, nunca deixarei de ter ao meu lado um clássico encadernado de folhas conhecido em tempos remotos como livro. Você já leu um, certo?
Mas de tudo que posso destacar como imutável existe algo em especial. Algo que mantém meu idealismo adolescente a flor da pele todas as manhãs. Uma estrutura que cerca, aperta e me leva à lona todos os dias. A mesma circunstância me deixa em êxtase ou frustrado.
Não consigo me desvencilhar desta característica. Não posso. No fundo, não quero.
Mesmo em lágrimas enxergo além do permitido pela minha embaçada visão. Com o coração apertado, ainda sinto o prazer que isso pode oferecer. Em prantos, ainda rio com a oportunidade de realização.
A vida difícil ensinou-me que mudanças são necessárias em um processo de desenvolvimento. Mas a decepção não conseguiu mudar algo em mim: a necessidade de amar e ser amado.
Não importa quem ou o quê, mas atingir alguém com uma expressão desta traz uma realização incomparável. Ser romântico, galanteador e gerar uma semente de paixão genuína em um coração é demasiadamente excitante. Entregar minha vida, receber outra, e, mutuamente, tornar-me um só realiza o sonho íntimo de qualquer um. Um sonho tão íntimo que, talvez, nem saiba que tem.
Eu sempre amarei e desejarei ser amado. Isso nunca mudou e nunca mudará.