"TEM BOBO PRA TUDO"

Todo aniversário natalício faz-me lembrar de uma crônica de Drummond, cujo parágrafo introdutório inicia-se com o seguinte tópico frasal: Fazer anos é triste. Aniversariar é alegre. O leitor que só conhece a poesia drummondiana, a prosa do poeta o levará às razões da antítese na citada Crônica.

A um desses aniversários compareci a convite de minha tia Zuleide e sua também aposentada amiga do TST, Vilma, cujo pai completou 90 anos. Precedendo a recepção, celebrou-se missa em ação de graças. Familiares e convidados lotaram a Igreja de São José. Parentes mais próximos ocuparam lugares especiais ao lado do aniversariante, Sr. Manoel, ainda mostrando sinais de vitalidade e lucidez, mas, ao mesmo tempo, certo alheamento aos fatos. Sorria e acenava suavemente, balançando a cabeça branca agradecendo os cumprimentos. Família numerosa, simpática e elegante, com charmosa negritude demonstrada espontaneamente com sorrisos e inconfundível sotaque carioca. Três gerações descendentes ali se compunham de filhos, netos e bisnetos.

Admirado e curioso eu os observava. Que finesse naqueles negros! Que negras lindas, elegantes nos figurinos e na postura. Das idosas às mais jovens, todas realçando em caprichados detalhes. A matriarca, ainda esbelta, adornou os cabelos com um arranjo prateado; as netas e bisnetas igualmente trabalharam os cabelos, maquiagem e modelos que lhes detalhavam os corpos. Um show de elegância. E eu, que não as conhecia, fiquei maravilhado ao vê-las e cumprimentá-las. E, silenciosamente, disse a mim mesmo: que negras lindas, chiques! Parecem pertencer àquelas famílias americanas, negras, bem cuidadas, simpáticas, inteligentes e cultas. Ora, a constatação era outra: os negros e negras brasileiros são belos e estavam ali à minha frente.

A recepção em casa aproximou-me mais da família. Afinal eu era uma espécie de convidado acompanhante de minha tia. Só conhecia a Vilma, e esta me apresentou aos demais. Cristina, filha dela, com mestrado em Filosofia, é professora do Mackenzie. Foi ela quem usou da palavra em nome das três gerações. Aí fiquei sabendo, numa conversa informal, que o aniversariante, Sr. Manoel, é sambista consagrado, conhecidíssimo no Rio de Janeiro, e que em Brasília mora há alguns anos. Pertence à ARUC, escola de samba aqui do DF. Mas a surpresa maior veio quando fizeram tocar um CD com a consagrada música TEM BOBO PRA TUDO, da autoria do Sr. Manoel, conhecido no meio dos sambistas como Manoel Brigadeiro.

A música diz uma verdade inconteste da filosofia cotidiana:

Quem não sabe tocar violão nem piston toca surdo./Não tem bronca porque neste mundo tem bobo pra tudo./Camelô na conversa ele vende algodão por veludo/. Não tem bronca porque neste mundo tem bobo pra tudo”.

Sucesso nos anos 60 com vários cantores; mas o Sr. Manoel, ou melhor, Manoel Brigadeiro, me disse lucidamente: “A grande intérprete foi Isaura Garcia”. E quando eu perguntei quem é Isaura Garcia, ele me respondeu quase impaciente: “Ah, você não era nem nascido. Pergunte ao seu pai”. E todos riram.

Busquei na internet, mas só encontrei a música na voz de outros intérpretes.

Eu quero dedicar esta crônica à Vilma, ao pai dela, Manoel Brigadeiro, e a toda a sua família, que é linda. E pedir licença a Carlos Drummond de Andrade para assim fechar este texto: Aniversariar é alegre. Fazer 90 anos, melhor ainda.

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OUÇA>

Consegui com Isaura Garcia>




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LordHermilioWerther
Enviado por LordHermilioWerther em 15/06/2012
Reeditado em 16/06/2012
Código do texto: T3726002
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