As Chaves do Meu Paraíso


Neste sábado, fui acordada pelos cães, latindo bastante inquietos.
Resolvi descer para soltá-los, pois, quando se agitam muito, o bebê e a cadeirante acabam fazendo suas necessidades em qualquer lugar e tudo o que eu não queria era iniciar o dia limpando caquinha de cachorro.
Já fora de casa, ouvi um ruído estranho, como de um motor em alta rotação. Só descobri o que era quando vi o balão. Subindo do quintal do vizinho, ele ainda demorou um pouco a ganhar altura, dando-me tempo de acordar o marido para ver a cena. Juntos, no terraço, assistimos a ascenção colorida, da cesta em que um grupo de pessoas acenava contente:
- Olá! O café tá pronto? - gritaram de lá.
- Sim! E hoje tem pão de queijo! - menti daqui, sabendo que, nem por pastéis de Belém, os vizinhos fariam pausa na brincadeira.
Tinha razão. Logo eles desapareceram no horizonte, deixando atrás de si um bando de cachorros assustados com a novidade barulhenta.
Mais tarde, publiquei as fotos do inusitado brinquedão no Facebook. Queria compartilhar com os amigos meu surreal amanhecer.
A escritora Maria Olímpia deixou-me um comentário que me fez pensar:
- Você mora no paraíso?
Sim! Moro!, respondi para mim. É como me sinto em minha casa, com meu marido, meus cachorros, todo o espaço verde, a vista, a paz, o córrego de águas frescas ao fundo.
A casa ficou meio torta por causa da mão de obra ruim que contratamos, o marido tem horas que irrita, os cachorros deixam caquinhas nos tapetes de vez em quando, o espaço verde, às vezes fica preto por causa das queimadas que enchem a casa de fuligem, a vista descortina cenas de acidente na rodovia que passa ao largo, a paz vez por outra cede espaço às festas dos vizinhos, o córrego, nas chuvas fica lamacento, na seca, cheira mal, pois aumenta a concentração dos dejetos lançados em seu curso.
Ainda assim, é o meu paraíso, o local onde vivo bem, onde reina o amor e onde me brinda o inusitado de um balão tripulado e colorido numa manhãzinha de sábado.
Já tive outros paraísos. O apartamento onde vivi com meus pais e irmãos, apertado demais para uma família tão grande. Uma quitinete alugada, sem garagem e elevador, onde já fomos acordados por tiros e sirenes, um apezinho transado na Avenida Comercial de uma de nossas satélites, onde na época do Natal, auto-falantes nos postes tocavam musiquinhas tradicionais das oito da manhã às vinte e duas horas, e onde a passagem dos aviões, em operação de aterrissagem ou partida inviabilizavam diálogos...
Outros paraísos... Todos com seus encantos, e seus desencantos.
Então, concluo que ter defeitos não reduz o sagrado de meu paraíso. Ele está dentro de mim. A chave para alcançá-lo? Mágicos momentos como uma noite de amor, como os primeiros passos de um cão cadeirante em tratamento de fisioterapia, como um balão colorido rasgando o céu de um azul tão profundo que parece até pintura.




Este texto faz parte do Exercício Criativo - As Chaves do Paraíso
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