A FÉ, NO ORFISMO.
Interessante no Orfismo é a antecipação messiânica do anúncio da Lei Moral em questões mitológicas. Orfeu, em seu sentido de abraço espiritual, expandiu amor como o Cristo. É a razão da crônica.
Orfeu era excelente poeta, foi também cantor e músico, o inventor da cítara. Passava o dia cantando ao som de sua lira, a qual aumentou de sete para nove cordas.
De canto suave tocava a todos que o ouviam. A própria natureza parava para ouví-lo. Conta-se que quando fazia parte da expedição dos Argonautas, apenas marcando a cadência dos remadores, por ser fraco fisicamente, acalmava o mar bravio com seu canto. E se cantassem as sereias Orfeu livrava os remadores da sedução cantando mais maviosamente que elas.
Enamorado de Eurídice, filha de Apolo, sua noiva, foi abordada por Aristeu que buscava violentá-la no dia de seu casamento, e enquanto tentava se livrar do ofensor, foi mordida por uma serpente na qual pisou e morreu envenenada.
Orfeu foi procurá-la entre os mortos. Desceu ao inferno com sua lira. Chegou à Casa do Deus Hades, onde ficam os mortos. Mesmo os reis do inferno e as hediondas criaturas que lá habitavam ficaram extasiadas com o canto e a música de Orfeu, que febrilmente procurava sua Euridice, mesmamente, como Dante Alighieri buscou sua Beatriz no Inferno, por si descrito, guiado pelo poeta Virgílio. O deus Hades e sua esposa Perséfone, extasiados com Orfeu, permitem que Eurídice volte ao mundo da luz. Impuseram restrição superável, em vão.
Sua amada somente depois de terem saído do inferno poderia ser olhada.
Orfeu ia a poucos passos na frente de Eurídice, mas saindo, instigado, precisava ter segurança que Eurídice estava próxima e se volta para ver, Eurídice some nos abismos do inferno, pela desobediência incidente.
A figura mítica de Orfeu interessa a quem (?), aos que possam se interessar por arte e cultura, pois interessou aos séculos da manifestação da expressão. É uma das engrenagens da cultura ocidental. A história passada e atual considera o personagem em múltiplas exteriorizações artísticas.
A ópera L`Orfeo de Montiverdi, conservada até hoje, à intereza, com primeiro espetáculo em 1607. Também o primeiro balé alemão, Orfeu e Eurídice, de Schütz, 1638. Offenbach e o “Orfeu no Inferno”, gloriosa celebração da dança. Inspirou ainda Liszt, Stravinsky e muitos outros músicos. Fez passagem larga no cinema com Palma de Ouro em Cannes. Vinícius de Moraes e o conhecido Orfeu da Conceição. É enorme sua incursão na literatura, tema infinito. Na pintura, o poeta Guillaume Apollinaire, em 1912, criou um termo - cubismo órfico - que influenciou Robert Delaunay, Fernand Legér, e o fantástico Francis Picabia, que está para deleitar o espírito no Museu de Arte Moderna em Paris.
A natureza se submetia a Orfeu, os animais ferozes serenavam; homens embrutecidos acalmavam-se. Os segredos órficos fechados como os cristãos, prometeram também a imortalidade a quem neles se iniciasse.
Orfeu foi a Hades resgatar Eurídice morta, e Hades seria o inferno na cultura cristã, em princípio. No orfismo, quase que como no Inferno de Dante, existem as passagens do Tártaro, o abismo mais profundo e arrasador, com penas severas.
O Orfismo foi movimento religioso de cunho oriental. Teogonia monoteísta, esta a razão do artigo, NESTA ÉPOCA CRISTÃ, representando uma ruptura importante com o politeísmo e mitos olímpicos. O Orfismo elege um Deus Criador, soberano, simbolizando a vida universal, um criacionismo vetusto como dogma. Contudo, o rompimento mais radical com o mito homérico é na parte escatológica, ou seja, na ciência dos fins últimos do homem, naquilo que deverá seguir à vida terrestre.
A descida ao Hades simboliza a vida após a morte. O orfismo traz a imortalidade que advém de um crime primordial: a alma está enterrada no corpo como se fosse um túmulo, o “soma-sema” que em grego indica “corpo-túmulo. “
De efeito, a encarnação faz par com morte e ela, a morte, constitui o começo da verdadeira vida. Estamos diante de uma antecipação cristã mitológica. Esta verdadeira vida não é obtida automaticamente; a alma será julgada segundo as suas faltas e seus méritos. Reencarna então.