CRÔNICA DE UMA ESPERA
Da mesa onde escrevo em meu caderno de (in) confidências, posso ver o fogo da lareira e o baú azul onde deixei o telefone sem fio. São 19:23 horas de um domingo anoitecido em frios de inverno. Aconselhável seria o recolhimento a um aconchego despretensioso, só encontrável no desassombro das convivências cotidianas. Mas como estou só, permaneço na sala, com a expectativa de que o telefone toque a qualquer momento.
Por muito tempo andei escrevendo poesias para musas irreais ou amores antigos, talvez pelo medo de me comprometer, de me envolver de forma irrenunciável a uma relação, ou de perder minha identidade no vulcão de emoções desconhecidas.
E então, de repente, eu me descubro assim, relendo uma poesia que tem um nome, uma cara, uma identidade. E aí tudo fica como se alguém colasse uma enorme fotografia no parabrisa do carro detido temporariamente diante do semáforo de uma esquina.
Não há como negar desta vez: esta poesia tem a tua cara e os meus olhos são dois faróis embaçados por onde transitam os brilhos que emergem do coração.
Ainda que sejas inegavelmente real, a minha percepção de ti não passa de uma montagem diabólica - ou angelical - tramada pelos duendes e gnomos que habitam a casa do sítio.
Sei tão pouco de ti que talvez seja essa a semelhança com todas as demais poesias já escritas.
Mas há um avanço aqui.
Tu és real e estás presente na outra extremidade da linha telefônica que não toca. Não importa a forma da ausência ou a distância da presença. Nem medos, nem desassossegos, nem desencontros de expectativas, serão capazes de reverter esse passo em direção ao destino que, tateando, me propus buscar.
São 20:03 hs e o telefone permanece escuro e silencioso sobre o baú azul iluminado pelo fogo da lareira.
Um dia, sentado numa provável cadeira de balanço, contarei a meu neto insone a história deste domingo em que escrevi, pela primeira vez, a uma musa real, a irrealidade de uma poesia feita para ela.
Guaíba Country Club, 16 de julho de 2.000.