"A Arma do Trovão"
REEDIÇÃO
(A pedido)
“A arma do trovão”
A comida estava escassa, e para alimentar minha família estava difícil.
Arauê havia falado:
- O céu vermelho está falando em fome e morte, muito cuidado.
Não gostava de ouvir, ele falar isto, o velho sempre tinha razão, não tinha medo, mas não queria perder as pessoas, que eu gosto mais que minha própria vida.
Falei para Tapiti:
- Caminha um pouco comigo.
-Porque meu guerreiro está preocupado?
Por me deixar sozinha?
- Sim, com este barrigão, seu irmão ainda criança, e um velho.
Vou mas com a primeira caça que conseguir eu volto.
- Sua preocupação guerreiro é digna de um chefe Tupi, pois se preocupa com sua gente e me deixa muito feliz.
Se não fosse atrapalhá-lo, iria junto, para coçar suas costas, dentro de seu ouvido cantar o canto das moças, que gosta tanto de ouvir.
- É mais um motivo, para eu voltar logo, virei às costas, saí correndo e chorando como um curumim.
Eu gostava demais daquela índia.
No outro dia à tarde, ouvi um trovão.
Tupã está bravo comigo, nenhuma caça, nem chuva esquisito.
Encontrei uma árvore, com grande buraco de raio, estava quente e fedia, parecia, bode queimado, acho que é coisa de Anhangá.
Achei uma anta, em seguida, um raio quase me cortou ao meio, tremi de medo, vi Anhangá, com uma vara preta, na mão.
Era muito feio, e tinha cabelo na cara, eu queria correr, mas não consegui, não tenho medo de homem, mas o diabo em pessoa, nem um Tupi, têm coragem de enfrentar.
Ele apontou a vara para mim, eu vi o que aconteceu, com a anta, pulei de lado.
O raio me pegou no braço que quase arranca, na hora, pensei diabo ou não, não vou morrer igual uma velha, vou morrer igual um Tupi.
Levantei meu tacape, antes dele apontar a vara de raio, bati em sua cabeça com força, ele caiu, e a largou.
A força do Tupi, nem Anhangá agüentou, comecei a olhar melhor, ainda com medo vi, era um barriga de ferro.
Aí, me enchi de coragem, gritei com ele, o desafiei na língua Tupi, depois dancei para ele, para ver que eu era mais forte.
Enquanto eu dançava, ele começou a gemer, quis pegar sua vara de raios, com o tacape bati nele de novo, agora sangrou muito.
Peguei sua vara de raios, bati com ela num tronco de árvore até quebrá-la, em pedaços, depois joguei-a no mato.
Tirei toda roupa dele, que era de couro e vesti.
Ela era igual à pele do macaco, tinha uma cinta larga, com bolsinhas cheias de terra preta, e de bolinhas, que levaria para o meu pajé Arauê.
Sua faca enorme ficaria para mim, um bonito colar de pedras brancas, este eu daria para Tapiti.
Peguei dois paus bem grandes, com embira, coloquei a anta encima, aí começa meu caminho de volta.
Poderia ter demorado menos, mas tive que passar o rio, porque suas roupas fediam, e não queria que descobrissem meu rastro.
Se conseguissem, iriam ao lugar errado, para a terra dos Tapuias, lá iriam ter uma surpresa não muito boa.
Estava amanhecendo, eu com muito sono, mas minha família precisava comer.
Reconheci o terreno, se gritasse me ouviriam, tentei, mas a vós não saiu, com o que restava de minhas forças, cheguei à porta de minha Oca.
Tapiti tecia uma rede, quando me viu gritou.
- Oripê!, Oripê!, Oripê!,
-Eu tentei, mas não consegui, caí como fruta madura.
Quando acordei, estava rodeado da família, estava nu.
Haviam me lavado e um grande pedaço de carne, estava na minha frente.
-Vocês não comeram?
- Não.
-Então comam, pois, comendo me farão feliz.
-Todos riram, e começaram a comer.
Eu também comi e contei minha aventura, de como matei o barriga de ferro, e quebrei sua vara de trovão.
Todos olharam o ombro vermelho e inchado, com orgulho, dei o colar para Tapiti, a terra preta, para Arauê, não tinha nada para dar para Piti, então peguei a enorme faca.
- Ela é sua, mas hoje, vai ser difícil de usar, ande com ela um pouco, depois a gente troca. Andando no mato achei dois filhotes de viado galheiro, levei para casa.
-Piti me empreste sua faca, vou fazer uma sopa hoje, cuide deles para mim, enquanto arrumo galhos, para cozinhar.
Tapiti assistia tudo com um sorriso nos lábios.
Piti não agüentou mais e falou.
- Eu te dou, meu arco e a faca e fico com os bichos.
- Só a faca já está bom, mas precisa criar, nisto eu não ajudo.
- Mas eu ajudo, sou uma índia Tupi, não gosto de me aproveitar de ninguém, muito menos de um curumim.
Pegou o irmão, os veadinhos, e foram para a beira do rio.
O negócio que a princípio, parecia tão bom, de repente teve um gosto amargo.
Na hora me senti um caeté, sujo por dentro e por fora.
Peguei a faca, e com muito ódio, a arremessei contra uma enorme árvore que fica em frente da casa.
Como eu era muito forte, dificilmente, algum índio conseguiria tirá-la de lá.
Arauê falou:
- Ás vezes o índio na tribo, está mais sozinho que no mato.
Peguei uma rede e fui para a beira do rio.
Estava dormindo quando senti o calor do corpo de Tapiti.
- Meu guerreiro ficou envergonhado?
Fiquei quieto.
- Quando você deu a faca para Piti, ele disse que a faca não era para ele, era para você.
É pesada e ruim de carregar, vou falar para ele que não quero.
-Aí eu disse, não diga nada, ele te deu porque gosta de você, não tinha nada para dar, vai aparecer à chance, troque ou dê para ele.
Ela já era sua, mas você fez igual homem branco, dá o fogo para vender a lenha, mas ele não se ofendeu.
Rimos muito disso, virou brincadeira, quem conseguiria tirar a faca de Oripê, da árvore.
Até agora ninguém.
- E este índio dorminhoco vem ou não vem?
- Ainda é cedo, vou ficar gorda e feia.
-Minha índia, nunca fica feia, gorda sim, pois está preparando o maior cacique Tupi, que já pisou nesta terra e vai deixar este índio velho muito orgulhoso.
-Cuidado índio velho e orgulhoso, senão não ter nenhum cacique, e ficamos abraçados, Tapiti dormiu, em eu braço dolorido, ela ria pensando no cacique Tupi, e eu chorava de dor no braço. Quando amanheceu, eu estava com tanta dor, que fui até a árvore e arranquei a faca de uma só vez.
Fui atrás de Arauê, ele me aguardava.
Beba Cauim, porque vai precisar guerreiro.
-Velho, você esqueceu que eu sou Oripê, dos Tupis.
Abriu um pouco mais o buraco no meu ombro, colocou bastante terra preta, daquela que eu havia trazido.
Depois pegou um graveto com fogo e encostou-se à terra preta.
Deu um estouro, parece que Anhangá, voltou pára me buscar.
Uma bolinha, que estava dentro de meu ombro, saiu pelas costas, e entrou no chão. Quis levantar e não consegui, pensei, morri.
Acordei com índios, que nunca tinha visto, curiosos querendo me cutucar, com pauzinhos, ou com o próprio dedo.
Tapiti estava ao meu lado e não me largava.
Meu ombro bastante chamuscado, mas a dor tinha ido embora.
Mais uma vez Arauê, acertara.
Mandara Anhangá, de volta para as cavernas, onde morava.
Dentro de pouquíssimo tempo, eu estava normal, parece até que fiquei melhor.
Só a marca de Anhangá, que nunca mais saiu.
Agora, mais um motivo, para os meus se orgulharem de mim, e os inimigos temerem.
Reuni a família, para conversar, Arauê, batia em um pequeno tambor, e confirmava tudo que eu dizia.
Tomei bastante Cauim, e fiquei feliz, caí no chão, e cantei a historia do menino órfão, cujos pais foram mortos pelos barriga de ferro, depois fui adotado pelo xaman Arauê, que me ensinou, a caçar, e pescar, depois a minha mulher e seu irmão que achei, adotei como filho e irmão de minha esposa, que ela irá dar um filho ou filha e eu Oripê, sou o índio mais feliz de toda Pindorama.
-Todos gritavam, e cantavam sobre o índio Oripê, que venceu Anhangá, com seu raio de fogo. Não morava na aldeia, mas sempre, visitava o pessoal, porque gostava de todos.
Quando ia tomar banho no rio, Tapiti, que estava com barriga grande ia comigo, falei para ela.
-Jacaré, namora barriga, fica perto de Oripê.
Por uma distração minha, ela ficou longe, e eu mergulhei.
Embaixo d’água, vi os peixes, fugindo, pensei jacaré.
Subi rápido, e vi-a a pouca distancia, falei.
-Sobe na pedra, que quero vê-la.
- Onde?
Ali, mostrei, fora d’água, próximo.
- Ela falou não.
Porque tinha mocinhas nadando perto.
Mergulhei rápido, em sua direção, cruzei com o jacaré Açu, quase a um passo dela. Atracamo-nos, ele começou a girar.
É o chamado giro da morte, não antes de enfiar minha faca em sua garganta.
Depois de algum tempo saí da água, arrastando o enorme jacaré que joguei a seus pés.
-Se queria o couro devia pedir, faríamos uma armadilha, como faria qualquer índio.
-Qualquer sim, mas não meu guerreiro Tupi.
Mesmo com o barrigão era leve, e a carreguei para casa.
No caminho acho eu pelo susto, ela dormiu, no meu ombro, só que foi um sono agitado.
“O ciúme do cacique”.
Percebi, que em todos os lugares que eu aparecia, o cacique estava lá, ele fora escolhido, por ser ótimo lutador, inteligente, estrategista, resistente, enfim uma série, de provas, que passou com merecimento, ele sabia disto.
Eu não queria, mas tinha sido comentado, por muita gente, até por Tapiti e por Arauê, que do jeito que eu cuidava, parecia mais eu ser o cacique, não ele.
Eu não dormia direito, me chamou em sua tenda.
Fazia tempo que ninguém ia lá, eu nunca tinha ido.
Acho que ele quis me impressionar, não sei por que, mas lembrei, dos Tapuias.
Vi muitas armas penduradas e cabeças acho que o cacique fazia feitiçaria.
Ele falou:
-Está com medo, Tupi?
-Não, não tenho medo dos mortos, e sim respeito.
Sei que você já lutou com Caetés, Tapuias, Anhangá, quem mais?
-Qualquer um que mexa comigo, com minha família, ou com minha tribo.
Até seu cacique?
-Ele só é meu cacique enquanto me respeitar, e aproveitando eu e minha família vamos embora hoje.
- Por que isto?
-Porque senão vou desrespeitar um irmão Tupi, e matar meu cacique.
-Você é honesto, e sincero gosto disso, pode ir embora.
Saí dali, e fui direto para casa.
Curiosamente, estava tudo arrumado.
Tapiti falou:
- Arauê falou para irmos embora hoje, vai correr sangue de irmãos.
-Não vai não, vamos embora.
Quando saímos, toda a tribo estava esperando para despedir.
O cacique estava com sua melhor roupa, suas melhores penas, seu tacape de guerra, seu machado e sua barriga de ferro, tomada em batalha.
-Oripê, se você for embora, um dia vamos nos encontrar, eu posso não estar preparado, hoje estou.
-Cacique, só vou falar uma vez, se você não der três passos para trás, vai morrer, fala Oripê, o Tupi.
Ele balançava o tacape e o machado, cruzando na frente do corpo.
Numa fração de segundos,eu Oripê, virei uma pirueta, e colei meu corpo ao cacique, minha longa faca, quase atravessou-lhe, o pescoço e garganta.
Morreu em pé.
Puxei a faca, e com o tacape, bati na cabeça do lado direito, entre a orelha e a cabeça que rodou como uma melancia.
A tribo atônita assistia aquilo, Arauê, pegou o cocar do cacique, e colocou sobre a minha cabeça.
-Agora vamos para a tenda grande, quero conversar com todos os filhos esposas, ninguém ficara desamparado, só que já tenho família.
A tribo vai trabalhar junta, vamos fazer uma cerca, muito grande.
Vai ter duas entradas grandes com portões, que fecham por dentro, iguais dos barriga de ferro.
Do lado de dentro, vamos fazer uma oca com uma caverna, e um buraco de tatu que passará por baixo da cerca, e vai sair na beira do rio.
Todo mundo vai ter que conhecer esta saída, só que não poderão usá-la.
Todos vão entrar e sair até conseguir fazer de dia ou de noite na chuva ou não.
Virão tempos rins, com barrigas de ferro, Tapuias, e Caetés.
Agora vamos fazer a festa de enterro do cacique, ele morreu porque chegou sua hora.
Falou que gostava muito de mim, não queria separar a tribo, eu falei que iria embora.
Falou que eu tinha que lutar para ser cacique, se ele quisesse talvez eu tivesse morto agora. Alguns acreditaram outros não, comemos e bebemos.
No outro dia, mandei um grupo caçar, outro cortar madeira, e outro cavar o chão.
Vi que alguns não gostaram, mas não falaram nada.
No outro dia os que caçaram, estavam se achando importantes, mas foram cavar buraco. Assim foram trocando e o serviço evoluiu, como alguns eram melhores em algumas coisas, com elogios conseguimos mantê-los no serviço.
Na outra reunião da tenda grande, que só os velhos opinam, perguntei,
-Onde estão os jovens?
- Do lado de fora, disseram,
- Que entrem e participarão.
Os jovens entraram, que entrem as mulheres e as crianças.
Quando todos estavam dentro, pedi que vinte dos melhores, ficassem lá fora porque nossa vida dependeria deles.
Dei uma pena de águia, para cada um, se sentiram muito importantes.
Primeiro vamos ouvir Arauê.
Fale valho sábio.
- Tem muita coisa boa para ser falada, mas a água corrente é boa, para beber, se tem vida tem peixe é água boa.
Água morta, ruim, índio bebe e fica doente morre.
Rio bom, lagoa ruim, nascente boa, poça d’água ruim.
- Pai manda filho pescar, mas não tem peixe, pai bate, curumim preguiçoso, Arauê falou.
- Oripê levantou, vou falar com o pai.
- Um índio levantou,
- Grande Guerreiro estou envergonhado, ele é meu filho, pensei que ele brincava ao invés de pescar.
Agora sei não tinha peixe.
O indiozinho sorriu e correu para o pai segurando sua mão.
Todos ficaram felizes e assim foram sabidos até problemas particulares de cada um, pois, não tinham vergonha de falar entre irmãos.
Como a reunião iria demorar.
-Oripê, levantou agradeceu a todos e se retirou, Tapiti, Piti, e Arauê, estavam felicíssimos.
Por enquanto é só.
OripêMachado.