O melhor de morar sozinho
Não sei se já comentei, mas estou morando sozinho no centro de Porto Alegre. Não digo o endereço porque, sinceramente, não quero que você apareça por lá. Não que não goste - perdoe a redundância - de companhia, mas é um apartamento de solteiro tipicamente de solteiro - se é que você me entende.
O que me leva a firmar que não é tão ruim morar sozinho como dizem. Tudo bem. É ruim. Mas não tão ruim. Entendeu? Têm prós e contras como qualquer coisa na vida. É um paradoxo - meu Deus, como amo esta palavra.
Por exemplo: eu preciso lavar apenas a minha louça. De mais ninguém. Um prato, um garfo, uma faca e um copo. Só isso. Até porque são as únicas peças que tirei da caixa do aparelho de jantar novo. Só tenho no armário o que uso. O restante está encaixotado.
Ah, claro, e as panelas. Mas ainda não posso considerá-las. Faz pouco tempo que as comprei. Duas na verdade. Uma cozinha e outra frita.
Passei um bom tempo me alimentando de tudo aquilo que é extremamente proibido quando se mora em família: congelados.
Garanto que sei indicar qual a melhor marca de lasanha, pizza, hambúrguer, massa miojo e afins que se aprontam no microondas. Também sei dizer qual o melhor e mais barato cacetinho da redondeza. Ou melhor, pão francês. Não me senti confortável em usar o pseudônimo porto-alegrense do pãozinho.
Sinto saudade, é verdade, da comida da minha irmã. Fui a restaurantes das mais diversas qualidades e nas casas de amigos com mães que amam - e algumas que odeiam - cozinhar, mas não encontrei nada nem semelhante ao arroz e feijão da Elisangela. Ai, ai. Que nostalgia.
Confesso que o inicio foi estranho. Estar em um ambiente completamente diferente, cercado por vizinhos desconhecidos e sem ajuda próxima testa sua maturidade. Não é por nada não, mas estou me saindo bem.
Algo que melhorou consideravelmente foi a minha leitura e produção textual. Estava me embromando para terminar um romance naturalista que em dois dias na casa nova concluí sem problemas. De lá para cá o número de obras que consegui ter acesso só tem aumentado. Bendito silêncio.
Tenho escrito mais. Muito mais. E com facilidade. O centro é inspirador. Sinto-me realizado, mais escritor. Estudando grandes autores da literatura nacional e mundial é impossível não me identificar. Jovens, solitários, com uma ideia, papel e caneta. É quase um orgasmo literário.
Divirto-me quando perguntam onde estou morando. Com ar de ingenuidade disfarço a vaidade que grita no meu interior.
- No centro.
- Com quem?
- Sozinho.
- Mas, ah! Guri!
Um sorriso de canto e uma resposta como "preferia que não, mas faz parte" tratam de consolidar minha imagem para os conhecidos.
Importante ressaltar que é para os conhecidos. Os familiares dizem coisas como:
- Bem feito! Assim ele aprende ser homem! - ou - Nunca vi mais egoísta. Passando um pouco de necessidade tomara que aprenda.
Arrisco afirmar que a melhor coisa de morar sozinho é a oportunidade de conseguir me ouvir. Neste instante posso escutar o que não poderia cercado de pessoas. Querem ver? Silêncio...
...
Ouviram? Vão dizer que não? Tentarei, então, reproduzir.
Tã- tã.
Agora vocês ouviram. O que era? Meu coração. Consigo ouvir minhas emoções e sentimentos como nunca antes.
Algo que as pessoas não fazem mais. Tudo está tão interligado e rápido que se tornou uma raridade refletir sobre questões que compõem seu interior. Não há mais a individualização do ser. Apenas o irracional de massas.
Quem gosta de ficar sozinho? Entre sair com os amigos ou ficar consigo mesmo o que você prefere?
A verdade é que não nos conhecemos. Não apreciamos a nossa companhia.
A solidão da minha casa fez eu me apaixonar por mim. Como qualquer um, eu também falho. Mas logo me perdoo. Concluí que até sou uma boa pessoa.
Deixo a sugestão de que pare de dar tanto valor ao que os outros dizem de você e preste mais atenção na sua voz. Ela também fala grandes verdades.