Memória de pai
Jorge desceu despretensiosamente os degraus do hall de entrada do prédio em que trabalhava. Ao passar pela portaria, pegou, como sempre, um exemplar do jornal diário que ficava a disposição dos funcionários. Olhou para o relógio, ainda era cedo, ler uma ou duas notícias não custaria nada. Sentou numa grande poltrona de espera e começou a folhear as páginas do jornal. “O que será que há de interessante?” Guerras e guerras, mortes e mortes... já estava farto de tudo isso. Quando ia fechar o jornal e voltar para sua rotineira vida, seus olhos sem querer leram uma manchete que lhe chamou a atenção mais por ser curiosa do que por qualquer outra coisa. No topo da página estava escrito: “Ministro inglês esqueceu filha em pub”. Não tardou a lê-la. O texto falava sobre a irresponsabilidade do chefe de estado inglês ao deixar a filha só em um pub no qual almoçou com a família. Jorge achou um baita absurdo aquilo.
Não tardou a devolver o jornal e saiu para a rua. Enquanto dirigia para casa pensava afoito: “Como pode um pai esquecer a própria filha, ainda mais tão pequena?!”. Ele estava impressionado. Quando menos esperava, o questionamento retornava à sua mente. “Que exemplo esse primeiro-ministro dá ao seu país?”, repetiu no mínimo umas três vezes em voz alta.
Vinte minutos mais tarde e já estava no elevador do prédio onde morava. Abriu a porta do apartamento e encontrou a esposa em pé esperando-lhe perto da mesa do almoço.
- Querida, você não imagina o que eu li hoje no jornal – disse ele, mas parou ao ver um estranho semblante em sua esposa. – O que aconteceu, Márcia?
- Eu que te pergunto! – disse ela num tom exaltado. – O que houve com você que não buscou a Raíssa na escola hoje? A diretora me ligou preocupadíssima e você me não atende esse bendito celular!
“Opa”, foi a reação de Jorge.
Minutos depois, ele estava novamente em casa com a pequena filha nos braços, o rostinho dela estava vermelhinho de tanto choro.
Enquanto almoçavam, Márcia lhe perguntou:
- Então, Jorge, o que você queria tanto me contar?
Ele pensou um pouco...
- Nada, querida... não era nada.