NOSSA SENHORA!
Nove horas da manhã de qualquer dia de fevereiro de um ano que se foi, o Recruta na função de sub-xerife* irá sentir na pele o poder das palavras. Naquele dia o sub-xerife tinha a função de avisar ao coordenador de curso a ausência de professor em sala. Mal sabia ele que a recepção dos oficiais e de um sargento puxa-saco seria inesquecível.
Ao chegar a sala dos “coordenadores”, o sub-xerife tinha que se apresentar com o ritual de inferioridade aos superiores hierárquicos, chamado carinhosamente de “apresentação individual”. Trata-se de um ritual de respeito obrigatório e sem muito sentido, aliás, com muito sentido. O sub-xerife apresentou-se ao superior que, entretanto, não gostou e mandou repetir o ritual. Este tem um processo muito chato de ser feito; é impossível não se sentir um robô ou algo mecanizado.
Tal ritual foi realizado aproximadamente 6 vezes; na última, o sub-xerife não resistiu e saltou a seguinte locução interjetiva religiosa: Nossa Senhora!
Em Minas, dizer Nossa Senhora pode ter vários sentidos; a mais usual, é o sentido de espanto, surpresa. Certamente, esse foi o sentido que o sub-xerife quis expressar após ter que repetir a apresentação individual várias vezes sem motivo. As palavras “Nossa Senhora” foram sussurradas, quase imperceptíveis; porém, uma mala de um tenente escuta e pede ao recruta para repeti-las. Neste momento, o sub-xerife-recruta irá aprender que nem sempre é bom dizer a verdade. Ao repeti-las, o recruta se sente orgulhoso por dizer a verdade; mas ali, a verdade é navalha! Somente serve para te ferir.
Em posse da verdade, os oficiais aproveitam para se divertir. Diante da necessidade de punir; os oficiais decidem punir o recruta, porém, não somente ele, mas todos os colegas de sala. Neste momento, o recruta aprende que quando um erra, todos pagam pelo erro. Foi decidido que todos da turma do recruta que invocou Nossa Senhora deveriam pagar pelo erro de dizer tais palavras. A punição foi: exercício físico exaustivo e muito gás lacrimogêneo.
O recruta de Nossa Senhora foi mais cobrado no “treinamento” e o que mais sentiu o “frescor” do gás. Após inúmeros exercícios físicos, chegou a hora do gás lacrimogêneo. Os oficiais tiveram uma excelente ideia: trancar toda a turma no vestiário. Esplêndido! Nem Julio Verne teria uma imaginação tão fértil. Para que o efeito do gás ficasse satisfatório, tiveram outra ideia: respirar o gás no vestiário cantando a canção dos Expedicionários( nem me lembro dessa merda de música). Maravilha! Nem Hitler seria tão criativo.
A cena de uma turma inteira trancafiada num vestiário respirando gás lacrimogêneo e cantando é inesquecível. Não pela cena em si, mas pelo motivo que resultou a punição; motivo fútil e desnecessário. Para quem vê com bons olhos, pode-se tirar bons aprendizados sobre o fato. Talvez o maior aprendizado foi sobre o ser humano; o mesmo sentimento de poder que Hitler usou para exterminar os judeus, também foi usado por aqueles oficiais; não vejo diferença alguma, muda apenas a consequência e o modus-operandi, o sentimento é o mesmo: vaidade. Um poder sem rédeas diante da justiça, sempre acarretará em abusos. Quando muitos zelam pelo próximo, muitos temem em errar. Eles erraram no tempo certo.
E Nossa Senhora? Como fica nessa história toda? Ora, ela ficaria “de boa” se um dos idealizadores da punição não fosse pastor evangélico; há a fama de que evangélicos não gostam de Nossa Senhora. Quem não se lembra do pastor evangélico Sérgio Von Helder que chutou a santa em pleno dia de Nossa Senhora? Todo santo também precisa de um tempo certo para fazer milagres; não era o dia dela.
*Sub-xerife é uma expressão “furtada” das polícias dos EUA. Quem teve a ideia de utilizá-la em escolas de recrutamento? Sei lá!!! Talvez alguém fã de filmes do Velho Oeste; Clint Eastwood baby!
#PARA QUEM VÊ COM MAUS OLHOS, O FATO É FICTÍCIO.