Teto de estrelas

Quando eu era criança, os doentes de hanseníase costumavam passar a cavalo na fazenda. Sabíamos logo que eram eles, pois não entravam no terreiro da sede. Chegavam somente até ao portão e batiam palmas. Os cachorros logo começavam a latir. Meus pais preparavam mantimentos e outras coisas e levavam até onde eles se encontravam.

Numa dessas vezes, fui com minha mãe até o portão. Lembro-me de que nessa época eu era bem pequena e não entendia muita coisa. Estranhava o fato de aqueles homens não descerem para ir até a nossa sala de jantar tomar café. Meu pai costumava parar os cavaleiros que passavam na estrada, defronte a casa para convidá-los a apearem. Além de café oferecia também frutas e água do pote. Ah! Água do pote! Era um pote enorme totalmente curtido pelo tempo que ficava em um canto da mesa, coberto por uma tampa de madeira escura no formato de uma raquete de tênis. Em um prato de cerâmica ao lado dele, descansava uma concha bem grande de alumínio para retirar a água cristalina e fria. Ela vinha de uma nascente ao pé da serra, que de lá descia até a nossa casa. Muitas vezes essas pessoas eram totalmente estranhas, mas o meu pai tinha o coração aberto assim mesmo.

Nesse dia, fiquei de pé junto à minha mãe, olhando para o os cavaleiros. Como eles pareciam altos ali sobre os cavalos! Eram três, mas um deles me chamou a atenção. Tinha os olhos azuis e a pele quase negra. Eu nunca havia visto aquele contraste. Aliás, acho que poucos já viram. Fiquei observando que os seus olhos eram exatamente do mesmo tom do céu.

Mamãe não se limitava em oferecer-lhes apenas mantimentos, dava também toda a sua atenção. Ouvi-a perguntando-lhes:

— Mas vocês não têm nenhum teto para se esconderem quando a noite chega!?

Esse senhor dos olhos azuis sorriu para ela, ergueu os olhos para o alto e disse:

— Não, minha senhora! O nosso teto são as estrelas do céu...

Minha mãe sentiu-se tocada com aquela resposta. Enquanto eu descobria as cores, ela se encantava com as metáforas... Na minha imaginação infantil eu via a casa daquele senhor cheia de estrelinhas grudadas no teto, brilhando...brilhando... Com cabeça recheada de histórias de fadas, criava vários cenários para o reino distante em que aquele senhor morava...

Aquela frase que ele disse se instalou no coração de minha mãe como uma tatuagem. Ouvi-a contando aquela história muitas vezes. Ela sempre citava a frase e comentava:

— Viram só que exemplo de vida! No meio do sofrimento aquele homem ainda conseguia ver e falar das coisas belas!

Um dia, pude finalmente entender que a casinha de teto de estrelas nunca havia existido e compreendi por que minha mãe nunca se esquecera daquela frase...

Déa Miranda
Enviado por Déa Miranda em 10/06/2012
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