Costume
Eu me acostumo com tudo.
Com ter de trabalhar no feriado;
Com o frio que corta meus lábios a ponto de sangrá-los, e, até, com a manteiga achocolatada que ameaça escorrer pelo queixo a qualquer momento;
Com o nariz gotejando entre uma respiração e outra, e em carregar lencinhos de papel como se fosse um celular, no bolso;
Com as mãos secas que parecem mais velhas do que realmente são, e ameaçam nunca mais rejuvenescer, enquanto olho para elas, enquanto escrevo estas palavras;
Com os pijamas sem graça que não se bastam sozinhos, e ficam ainda mais ridículos por baixo do roupão atoalhado ou da jaqueta acolchoada, usada nas caminhadas matinais;
Com as meionas fofas e desengonçadas sobre as canelas esbranquiçadas;
Com os cobertores pesados que se arrastam no chão feito crianças teimosas, a catar toda a sujeira do assoalho só para si;
Com a água fervente que me cozinha no banho, ainda que não me chame Maria;
Com o congelar do corpo, o hibernar da disposição, e o desentocar da preguiça;
Com a dor nos ossos e o tiritar de frio;
Eu me acostumo com tudo.
Até com o inverno.
Eu só não acostumo com a neve que cai de alguns corações.
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