Costume

Eu me acostumo com tudo.

Com ter de trabalhar no feriado;

Com o frio que corta meus lábios a ponto de sangrá-los, e, até, com a manteiga achocolatada que ameaça escorrer pelo queixo a qualquer momento;

Com o nariz gotejando entre uma respiração e outra, e em carregar lencinhos de papel como se fosse um celular, no bolso;

Com as mãos secas que parecem mais velhas do que realmente são, e ameaçam nunca mais rejuvenescer, enquanto olho para elas, enquanto escrevo estas palavras;

Com os pijamas sem graça que não se bastam sozinhos, e ficam ainda mais ridículos por baixo do roupão atoalhado ou da jaqueta acolchoada, usada nas caminhadas matinais;

Com as meionas fofas e desengonçadas sobre as canelas esbranquiçadas;

Com os cobertores pesados que se arrastam no chão feito crianças teimosas, a catar toda a sujeira do assoalho só para si;

Com a água fervente que me cozinha no banho, ainda que não me chame Maria;

Com o congelar do corpo, o hibernar da disposição, e o desentocar da preguiça;

Com a dor nos ossos e o tiritar de frio;

Eu me acostumo com tudo.

Até com o inverno.

Eu só não acostumo com a neve que cai de alguns corações.

http://nasala-deespera.blogspot.com

Léia Batista
Enviado por Léia Batista em 10/06/2012
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