(Foto montagem: Ana Flor do Lácio)
Hoje comemora-se o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas espalhadas pelo mundo.
Foi escolhida esta data para celebrar o Dia de Portugal porque no dia 10 de junho (de 1580) morreu Luís Vaz de Camões, o grande patriota e poeta.
Neste dia, relembram-se os feitos passados dos portugueses e aqueles que, pelos desejos da vida, vivem fora de Portugal e se encontram espalhados pelos quatro cantos do mundo.
Dia de Portugal é sempre dia de festa, dia de congratulação e de encontro entre as suas gentes.
Várias vezes este dia mudou de nome. Já foi de Camões, por onde começou. Já foi de Portugal, da Raça ou das Comunidades. Agora, é de Portugal, de Camões e das Comunidades.
Contudo, é sempre o mesmo que se festeja: Portugal e os portugueses, pois o que comemora é sempre o país e o seu povo.
Como portuguesa, orgulho-me de poder dizer que temos a felicidade única de aliar o dia da festa nacional a Camões: o poeta que nos deu a voz. O poeta que é a nossa voz. O poeta que nos deu a conhecer a humanidade e a simplicidade. Orgulho-me de poder dizer que Camões é o grande escritor da Língua Portuguesa e um dos maiores do mundo. E é também, com muito orgulho, que digo que a Língua Portuguesa é uma das seis grandes línguas do mundo.
Quando se escolhe alguém para nos representar, escolhe-se um herói. E o herói do meu país é Camões que nos mostrou o que é a liberdade, o espírito insubmisso e o esforço empreendedor, através da sua humanidade, simplicidade e pobreza.
Mas não só Camões representa Portugal. Existem outros valiosíssimos símbolos que o representam e que também fazem parte da História:
. a bandeira nacional
. o hino nacional
. a Seleção Portuguesa
. o Fado
. a moeda nacional (antes da chegada do euro)
. e a língua portuguesa
E todos eles merecem ser honrados.
Desejo a todos os portugueses um Dia de Portugal muito feliz. Mas que a efeméride não seja o único pretexto para lembrarmos os nossos antepassados e a mãe Pátria. Que todos os dias possamos recordá-los com um sorriso nos lábios e alegria no coração, ainda que a nossa terra natal se encontre do outro lado do oceano. Possamos, também, neste dia refletir sobre nosso futuro e nossa vida nas terras que nos acolheram de braços abertos.
Desejo um dia muito feliz a todos os que amam e utilizam a Língua Portuguesa, um traço cultural comum a todos que a falam, sejam brasileiros, portugueses ou cidadãos de outras nações que possuem esta língua como idioma oficial.
O retrato de Camões por Fernão Gomes, em cópia de Luís de Resende.
Foi pintado ainda em sua vida. Este é considerado o mais autêntico
retrato do poeta, cujo original se perdeu.
Foi pintado ainda em sua vida. Este é considerado o mais autêntico
retrato do poeta, cujo original se perdeu.
CAMÕES: O PRÍNCIPE QUE MORREU SÓ E POBRE
No dia 10 de junho de 1580 morria Luís Vaz de Camões, o maior poeta português que representa o génio da pátria, na sua dimensão mais esplendorosa. Foi o autor que mais elogiou os atos heroicos dos seus antepassados.
Patriota é aquele que ama a sua pátria, que a serve e que, se necessário, se sacrifica por ela. Camões demonstrou isto muito bem no seu poema épico “Os Lusíadas”, onde enaltece o povo português pela sua coragem e pelos seus feitos.
A obra é considerada a epopeia portuguesa por excelência. O próprio título já sugere as suas intenções nacionalistas, sendo derivado da antiga denominação romana de Portugal, Lusitânia.
Não se sabe a data exata do seu nascimento porque naquele tempo não se faziam registros, mas sabemos que nasceu em 1524 ou 1525. Passou a infância e a juventude em Coimbra que, na época, era um grande centro universitário e cultural. Aí existia uma biblioteca muito rica e completa, onde Camões estudou. Dominava perfeitamente o latim e o espanhol, era dono de uma vasta cultura e de uma memória prodigiosa.
Filho de nobres, frequentou a corte de D. João III, em Lisboa. Mas a sua vida não foi só estudos. Gostava da boêmia e tinha grande facilidade em conquistar corações femininos. Por isso era muito invejado por alguns fidalgos ricos.
Mas, apesar da sua riqueza, viveu quase sempre como um pobre soldado, cheio de dívidas, tendo permanecido 17 anos afastado da pátria.
Dono de uma personalidade impulsiva, esteve preso durante nove meses. Embarcou, depois, como simples soldado para Goa onde, um certo dia, convidou cinco nobres portugueses para um banquete em sua casa. Eles ficaram surpreendidos quando encontraram os pratos cheios de folhas de manuscritos de poesias, em vez das iguarias que esperavam.
O nobre, mas simples e humilde poeta, quiz, desta forma, mostrar aos seus compatriotas enriquecidos na Ásia, até que ponto estava pobre.
Ao logo dos seis meses que passou no mar, enfrentou terríveis tempestades, conheceu aldeias, nativos, civilizações estranhas, o que lhe forneceu matéria-prima para algumas cenas de “Os Lusíadas”, cheias de pormenor e intensidade.
Numa dessas expedições perdeu um dos olhos. Em Macau, para onde foi mais tarde, escreveu, inspirado em obras da Antiguidade Clássica, uma grande parte da sua epopeia. De regresso à Índia, o navio em que viajava sofreu um naufrágio na costa do Camboja. Camões salvou, nadando só com um braço e com o outro estendido por cima das ondas, o precioso manuscrito de “Os Lusíadas”.
Permaneceu em Macau onde se perdeu de amores por uma mulher chinesa, que se chamava Dinamene. Nela inspirado escreveu uma boa parte da sua epopeia.
Mas a fatalidade de novo bateria à sua porta quando, mais tarde, ela morreu afogada num naufrágio. Então, em sua honra, Camões escreveu um dos seus sonetos mais bonitos, cuja primeira quadra é:
“Alma minha gentil que te partiste
Tão cedo desta vida descontente
Repousa lá no céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.”
Em 1567 embarcou para Portugal, interrompendo a viagem em Moçambique, onde concluiu a sua obra literária. Aqui viveu na miséria. Alguns amigos pagam-lhe as dívidas e a viagem de regresso a Portugal.
O seu único rendimento era uma renda de 15 mil réis anuais, equivalente a uma reforma de soldado, que El-Rei lhe mandou pagar como recompensa pela publicação de “Os Lusíadas”.
E na sua pátria morreu, abandonado por todos. Foi sepultado num coval aberto do lado de fora da Igreja de Santana. Atualmente seus restos mortais jazem no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, ao lado das mais ilustres figuras portuguesas.
Entretanto, a sua obra continua a ser admirada por todos. Além da epopeia "Os Lusíadas", escreveu muitas redondilhas, sonetos, odes, canções, sextinas e éclogas que nunca foram imprpublicadas, pois o poeta não tinha recursos materiais.
Passaram-se 431 anos e, aquele que foi sepultado embrulhado numa mortalha dada por um mendigo é, na atualidade, considerado o maior poeta da Língua Portuguesa (o Príncipe) e um dos maiores da história de literatura. Tem sido comparado a Virgílio, Dante, Cervantes e Shakespeare.
Pertence aquele grupo de seres que vivem para além da morte, “... que por obras valorosas se vão da lei da morte libertando...”, como ele próprio escreveu quando se referiu aos herois portugueses.
O destino da obra de Camões foi mais feliz do que o do seu autor. Traduzida em várias línguas, tem um lugar de relevo na literatura universal. Muitas gerações de poetas têm sido influenciadas pelo seu estilo e, nada melhor do que alguns versos dos seus poemas (sempre atuais), para comemorar o seu dia e o Dia de Portugal:
Poemas dedicados à pátria:
As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram…
(Os Lusíadas- Canto I)
Poemas dedicados ao mundo:
Ao desconcerto do Mundo
Os bons vi sempre passar
No Mundo graves tormentos;
E pera mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado.
Assim que, só pera mim,
Anda o Mundo concertado.
Poemas dedicados aos tempos e mudanças:
A mudança…
Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança:
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve) as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda já como soía.
Poemas dedicados ao amor:
Amor é fogo que arde sem se ver
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;
É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Retrato de esmalte (de Limoges), de Jacques Laudin, com 29 por 23 centímetros, representa Camões envergando uma armadura e coroado de louros. Tem uma interessante legenda em faixa branca na zona inferior, a toda a largura, onde se lê, numa primeira linha:
. LVDOVICVS . DE . CAMÕES.
logo abaixo
. PRINCEPS . POETARUM . LVSITANORVM
~~~~~~
. LVDOVICVS . DE . CAMÕES.
logo abaixo
. PRINCEPS . POETARUM . LVSITANORVM
~~~~~~
Estátua evocativa do poeta, na praça que foi batizada com seu nome «Luís de Camões», em Lisboa. Ao fundo, o consulado do Brasil. A estátua é de bronze e mede 4 metros de altura. Assenta sobre um pedestal, oitavado, de mármore branco, com 7,5 metros de altura. Em redor do pedestal oito estátuas, de pedra de lioz, de 2,40 metros de altura, representam vultos notáveis da cultura e das letras: o historiador Fernão Lopes, o cosmógrafo Pedro Nunes, o cronista Gomes Eanes de Zurara, os historiadores João de Barros e Fernão Lopes de Castanheda e os poetas Vasco Mouzinho de Quevedo, Jerónimo Corte Real e Francisco de Sá de Meneses.
Rio, 10/06/2011,
Ana Flor do Lácio
Ana Flor do Lácio