TARADOS POR GIZ ("Não escreva a sua história com Giz." — Bruno Noblet)
Um dos poucos equipamentos pedagógicos de que dispõe o professor da escola pública, para seu trabalho em sala, é o giz. Mas, não é o professor o tarado por giz! Onde o achar? É mantido guardado no armário da coordenação, "debaixo de sete capas", evitando o desperdício. No início do ano letivo, todo professor ganha uma caixinha com apagador, mas é impossível mantê-la limpa, os alunos logo escrevem nela numa especie de pichação. Eu, por exemplo não gosto da caixa de giz mesmo que seja enfeitada, porque lá dentro tem giz, e é exatamente por isso que eles gostam tanto. Em fevereiro, inspirados no carnaval, a caixa de giz já está uma verdadeira obra de arte, um mosaico de besteiras multicoloridas.
Todos os dias, encho minha caixinha de giz e antes mesmos de chegar à sala já se foram os pedacinhos atrativos. Eles se apressam para me ajudar, tomando-a logo, com a desculpa de apagar o quadro. E se vão correndo, um atrás do outro, num pega-pega animalesco. Ao entrar na sala, encontro um punhado deles "escrevendo" no quadro, outros o apagando, como um bando de maritacas em algazarra. Ordeno que se sentem, depois de uns dez minutos de aflição, consigo pô-los em seus lugares, mas então, ao finalizar sermões e ameaças de reprovação, começa novamente a chuva de pedaços de giz, por vingança ou implicância. E os carentes de proteção me chamam naquela melosidade da chatice:
— "prossor ur mininu tá me tacanu giz" (sic).
Criei um sistema de penalizar esses atrevidos indesejados: o faz-de-conta ineficaz, próprio da Educação, sobre o qual eles já se deram conta. Por três vezes que eu lhes chamar a atenção, tiro um ponto na nota deles. De qual nota? Se os penalizados são os piores, nem nota têm!!!
Já me ocorreu de uma aluna humildemente me pedir uns pedaços de giz, fiquei assustado, visto que geralmente, eles os pegam sem minha permissão, todavia desta vez, foi autorizada pela justificativa nobre: ela brincava de escolinha em casa. Será se na brincadeira também eles tumultuam o quadro nos intervalos, riscando e jogando giz uns nos outros, simulando sua realidade? Pois é, brincam de professor, mas não querem ser professores de verdade! Os animais brincam de caçar porque querem ser bons caçadores, estre eles o faz-de-conta tem objetivo... Os meus alunos desnaturados, diferentemente, apenas brincam com os meus sonhos!
Maior parte de minhas repreensões a alunos é ralhando para os impedir de pegar giz. Não vem um seque à mesa do professor sem tentar pegar uns pedacinhos de giz. Até parece que gastar o giz é uma forma de se vingar do professor, maltratá-lo! O giz, nesse caso, torna-se representação fiel do mestre, a quem na verdade, querem desgastá-lo ou, jogá-lo contra os outros.
Em um dia "daqueles", um professor da mesma escola em que trabalho, foi reclamar à coordenadora, com um "galo" na testa, pois tinha sido machucado por um aluno, daqueles viciados em jogar giz nos outros, acertou a testa do tal professor, eu o vi meio de longe e realmente tinha uma manchinha avermelhada pouco acima do olho direito!
As garatujas grafadas no quadro com tanta sede, talvez seja um grito de socorro, para obterem a atenção que gostariam de usufruir das suas famílias, mais uma vez, a responsabilidade é transferida à escola. Isso explica a tara dos pichadores pelo um muro novo, recém-pintado e a concorrência pelos os lugares mais inusitados, quanto mais afrontarem as autoridades, mais excitante, e, portanto, "ninguém os merece"!