Parada de ônibus

Voltava de um dia triste, e carregando três ou quatro sacolas de mercado. Na parada de ônibus, um rapaz faz a abordagem. Pergunta se eu não tenho 50 centavos para a sua passagem, que custa três reais. Eu tenho, e não hesito em procurar no meu bolso. Depois que me vi numa situação semelhante, precisando desesperadamente de dinheiro para a passagem e não encontrando um único cristão que me ajudasse, passei a entregar sempre alguns trocados, sem questionar a motivação ou avaliar a sinceridade de quem me pede. Vá lá que ele não use o dinheiro para o ônibus. O que não pode é deixar alguém realmente necessitado – como eu já estive – desamparado diante dos nossos juízos de valor ou apego ao dinheiro.

Certa vez eu ajudei um homem cabeludo, cheio de tatuagens, que dizia estar com um bolso rasgado. De lá teriam caído moedas que o impediam de pagar o ônibus e, em consequência, de chegar a uma entrevista de emprego ou algo que o valha. Parecia realmente desesperado. Dei o dinheiro que faltava, e ele agradeceu exageradamente, mal acreditando que alguém tenha sido capaz de ajudá-lo dessa maneira. Alguns dias depois, voltei a encontrá-lo na mesma parada e pegamos o mesmo ônibus. Quis então pagar a minha passagem, em retribuição, mas me adiantei e passei pela roleta antes dele.

E eu ainda pensava em casos assim quando um outro rapaz se aproximou de algumas mulheres que estavam sentadas na parada e começou uma espécie de discurso, do qual entendi pouca coisa. Falava algo relacionado a “problema emocional”, uma coisa que ele não sabia o nome, mas que tinha sido diagnosticado. Entendi ainda a palavra “Marinha”, e algo parecido com “estar afastado” devido ao crack. Por fim, ouvi alguma coisa sobre estar sofrendo por ter vontades de homicídio e suicídio. E logo saiu, não pedindo dinheiro algum, tão repentinamente como apareceu, e tratou de atravessar a rua.

Afastado o homem, as mulheres enfim soltaram o riso. Uma delas se lembrou de outros casos recentes de loucos, como ela diz, que vieram puxar papo com ela em paradas de ônibus. Acham que ela tem cara de psicóloga, brinca. E seguiam rindo e comentando sobre aquele maluco que havia tornado mais divertida a espera pelo ônibus. Uma delas observou:

- Você ouviu? “Vontades de homicídio e suicídio”. Se for de suicídio, tudo bem...

Eu, que já andava meio triste, fiquei enojado com aquelas mulheres, e não faltou muito para que eu explodisse numa patética defesa do louco. Em vez disso, apenas me virei para a rua, observando se o próximo ônibus que se aproximava não era por acaso o meu.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 09/06/2012
Código do texto: T3714086
Classificação de conteúdo: seguro