no fim da tarde
Minha mãe me liga, afoita. "Vou ser ligeira", ela diz, "que o preço de uma ligação de celular anda à morte". Dou uma desculpa, desligo e retorno a ligação. Tem a voz tranquila, agora. Pergunta-me se me lembrei do aniversário do Júnior; se liguei, pelo menos, se enviei presentes, e diz que eu não deveria nunca ter viajado no aniversário do irmão. Não espera minha voz se mostrar e pergunta-me se tenho bebido muito, se tenho medido a pressão e quer saber quando é que vou virar homem e deixar o cigarro. E se preocupa de novo com o preço da ligação. E quer saber se estudei alguma coisa das apostilas:
- Homem sem diploma não tá com nada, não, meu filho.
Pergunta-me se me lembrei do protetor solar; se as manchas no rosto andam sumidas, se não dói nada, se tenho andado na linha, se tenho dormido, se tenho olhado os meninos direito, se tenho, se tenho...
Pergunto se ela está bem. Ela reclama de dores nas costas. Reclama da herpes, reclama dos pés gelados, das mãos trêmulas, reclama de meu pai, do preço da ligação de celular e de eu ter viajado no aniversário de meu irmão.
Quero dizer a ela que me sinto bem quando ela me liga. Quando quer saber de mim, do que não faço, do que exagero. Quero dizer a ela que ainda viro homem e abandono de vez o cigarro; que ainda deixo de beber e que não viajo nunca mais no aniversário de meu irmão.
Mas ela reclama de novo das dores, de meu pai e de novo do preço da ligação.
Pede a Deus que me abençoe e deseja aos meus o que for de ser feliz. É o que sinto por ela, é o que peço por ela, sempre, sem o dizer a ninguém.
E ela desliga.