Sobre mergulhos na alma.

www.pporto.blogspot.com ("Patricia Porto - Sobre Pétalas e Preces")

Frida Kahlo uma dia disse sobre si mesma: "'Algum tempo atrás, talvez uns dias, eu era uma moça caminhando por um mundo de cores, com formas claras e tangíveis. Tudo era misterioso e havia algo oculto; adivinhar-lhe a natureza era um jogo para mim. Se você soubesse como é terrível obter o conhecimento de repente - como um relâmpago iluminado a Terra! Agora, vivo num planeta dolorido, transparente como gelo. É como se houvesse aprendido tudo de uma vez, numa questão de segundos. Minhas amigas e colegas tornaram-se mulheres lentamente. Eu envelheci em instantes e agora tudo está embotado e plano. Sei que não há nada escondido; se houvesse, eu veria.''

Algumas pessoas nascem tão somente para os mergulhos. E os abandonos podem causar vazios abissais. A dor é imensa porque parece que estão realmente levando as nossas pernas, os nossos pés, o nosso chão. E se pode sentir num primeiro momento, pela falta de território, que será uma via crucis longa e dolorosa conseguir de novo: levantar, caminhar, encarar o mundo; o mesmo mundo que nem sempre foi e será receptivo e tolerante às suas perdas, às suas dores. E Frida Kahlo perguntava algo assim: "para que pés se posso voar?"

Sim, o luto pode insistir ou precisar demorar e suas asas e pés podem parecer engessados por dias, meses, anos até... Por isso a Paciência é a ciência dos que nascem para os mergulhos. Porque alguns mergulhos podem ter como único instrumento de sobrevivência o escafandro. E para se continuar vivendo será preciso aprender a respirar através de uma armadura. Uma tarefa complexa. Porque se ficou pesado demais, porque podemos nos tornar a nossa própria arma-dura.

Quando eu era criança, por incrível que pareça, a dor do abandono, da perda - eu a sentia menor, talvez porque o caminho a frente fosse feito do largo, de um mundo enorme, desconhecido. Medo? Havia, mas ele se dissolvia facilmente em bolhas de fantasia. A diferença na forma de lidar com os abandonos de agora, o abandono do Estado, o abandono dos seus direitos, da sua dignidade humana num país que violenta a educação popular de crianças e mestres, me causa mais angustia. E hoje tudo dói mais. A alma é como o corpo, aprendi que ela envelhece - de pro-pó-si-to - para viver determinadas dores. Se você sofre uma lesão sendo mais velho, tudo é mais difícil. É... E para curar leva mais tempo - caramba!, mas aí você já não tem tanto tempo! É bem capaz de querer sofrer duas vezes, por antecipação e determinação. Precisa então de mais pomada para os machucados, de maior atenção com a cura, de mais carinho consigo mesmo e com sua nova lentidão. A cicatriz, essa, certamente vai ficar mais feia, até porque sua pele já não tem ou terá mais a mesma elasticidade. E será seu espírito que precisará reaprender, negociar dia a dia com a vida e com a criança de dentro, a ter mais elasticidade. Para quê? Para poder perdoar, para poder seguir em frente. A boa esperança, a notícia bem-vinda, é saber que vai passar - e que passa mesmo! Com ou sem o meu, o seu, o nosso consentimento. E haja mergulho!

Patricia Porto

Patricia_Porto
Enviado por Patricia_Porto em 08/06/2012
Reeditado em 11/06/2012
Código do texto: T3712432
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