Cartas Trocadas

Rio de Janeiro, 15 de agosto de 1988

Todos aqueles poemas, todos aqueles garranchos. Com certeza foram a marca do emergir do nosso amor, você sempre tímida e sensível, preferia a hora do intervalo para me encaminhar suas cartas, momento qual não havia ninguém na sala. Eu já mais desinibido, respondia e entregava na frente de quem quer que fosse, e quantas idas a direção da instituição isso me custou. Quantas chamadas aos meus pais, sempre justificadas pela falta de concentração as classes, fruto a minha preferência em proferir juras de amor ao seu tributo do que acompanhar seu Josué e as fórmulas que descrevia na lousa.

Tudo isso, resultou a aquilo que já se era esperado, o nosso casamento. Casamo-nos com a igreja cheia, os nossos familiares com seus olhares fitos a nós, a igreja reluzindo, aquele tapete vermelho que parecia nos aguardar, para que jurássemos nosso amor diante do pai.

Após esse dia, nosso amor mudou completamente, toda aquela ilusão de casamento perfeito para a consolidação do nosso amor, se desfez em um passe de mágica. Cedendo espaço as obrigações conjugais, as contas aos deveres como bom esposo. As cartas nunca mais foram trocadas, as que restaram eram guardadas na nossa memória, e na caixinha sobre a cômoda. A qual costumeiramente abria para relê-las na busca de reavivar todo o nosso amor.

Seus pais também nunca foram piedosos, apesar de agora estarmos casados, não perdiam o gosto de realizarem alguma piada ou gracejo seja sobre o meu emprego ou aquela suspeita que tinha em ser estéril. Tais chistes que você retribuía com risadinhas, sempre me dizendo não querer desagradá-los.

Macho que é macho, deixa herdeiros. Era isso que ele enchia a boca profanar, sempre fazendo inferência ao nosso cunhado que já era pai de três meninos, e indiretamente afligirme dizendo que não era bom esposo. Achei que meus problemas estariam resolvidos, quando nosso primeiro filho viesse. Puro engano. Aí é que estes aumentaram.

Escola, contas, pagamentos, dívidas, tudo emergia com mais força. Porém mesmo assim as piadinhas não cessaram, e para completar em contrapartida, nosso amor também diminuía, assim, como um lápis que, após muitas vezes apontado diminui de tamanho.

Nunca deixei de te amar, mas parece que a recíproca não é a mesma. Seu pai sempre exagerava dizendo a respeito do meu curto salário, das contas que tinha, entre outros aspectos... Você sempre a apoiar tudo isso, também se dizia insatisfeita, principalmente após as vistas a eles. Começava a reclamar, por não ter todos os benefícios que sua irmã casada com o presidente de uma importante multinacional, tinha.

Ludibriei-me fruto aos seus pedidos, comecei a gerar uma ambição nunca antes vista dentro de mim. Enganei-me já que, ao passo que a ambição cresce, ficamos cada vez mais ingênuos. Vivia para proporcionar uma vida melhor para você e para o nosso filho. Mas para que? O que trás o dinheiro a nós, nada, nada mais que o supérfluo e sentimentos torpes.

Chego à conclusão que após estes trinta e cinco anos já deveria ter chegado: A vida é um segredo, e que construímos em nós a imagem que esperamos do outro. Sempre achei que nosso amor se perpetuaria, independente da influência que a sociedade desempenhasse sobre este. Passaríamos os melhores anos de nossas vidas, superando os problemas com base no nosso amor, um amor que superasse a vida, e que perdurasse a eternidade. Vejo que me enganei, à medida que desejos sucumbiram tal sentimento. Vou-me para um lugar onde as praias resplandecem, realizarei uma viagem, e não pretendo voltar, antes que aquele simples amor juvenil retorne.

Um beijo,

do homem que sempre te amou,

Paulo

•A resposta a carta publico amanhã

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Vinícius Bernardes
Enviado por Vinícius Bernardes em 07/06/2012
Reeditado em 07/06/2012
Código do texto: T3710924
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