A decadência da estrela – ou, relato de um circo de horrores
Existem dois momentos na vida em que nos tornamos estrelas: ao nascer, então somos estrelas ascendentes, e ao morrer quando somos vistos por nossa decadência. Somente hoje pude compreender Clarice. A hora da estrela é a hora em que nos percebem. Justamente por nossas desgraças.
É freqüente o espanto pela crueldade humana, pelas torturas, pelas palavras. Para mim, particularmente, é mais espantoso ainda a reação do ser humano diante da miséria alheia. Digo, o olhar clínico que se lança diante do inesperado, do trágico, tornando-o romanceado, cômico, seriado de TV.
Diariamente programas de TV se debruçam sobre fatos bizarros e outros nem tanto assim, mas que se ocupam dos infortúnios humanos, dos males que acometem os vulneráveis e inocentes. Sempre repudiei esse tipo de circo. É como se não bastasse o pão de má qualidade que a vida nos dá, então a lona se estende ao redor das periferias, carceragens, leitos e ruas ermas. E cada um de nós se sente meio Macabéa, meio sem nome, meio até estrela de uma história de horror. As luzes, a narração pseudo-indignada tentando fingir emoção, a sede por detalhes, principalmente os mais humilhantes: fome por degradação humana.
O certo é: não se pode condenar o quitandeiro por sua freguesia. Esse olhar que se estende sobre a miséria alheia, a busca incessante e sem limites pela carcaça humana se destina a saciar uma curiosidade que, vergonhosa por admitir, a humanidade esconde sob o pretexto de saber a verdade. “É a realidade”, dizem alguns. E o quitandeiro, comerciante do circo de horrores, só atende a sua freguesia e ao olhar de quem quer ver a hora daqueles que se tornar estrelas.