As Crônicas do Ócio. Pouco Trabalho Muita Imaginação(Devaneios e Comparações)
Eu estou lendo um livro de literatura fantástica sobre reis, rainhas, nobres, vassalos e homens livres. Estes últimos, destituídos de qualquer importância ou poder no meio dos de sangue real. Como estou num daqueles dias de nenhum movimento no meu trabalho, resolvi cronicar sobre o tema. É uma dessas Crônicas de alguma coisa ou de alguém, que sempre são livros gigantescos com títulos gigantescos. Mas, que eu gosto muito de ler. Durante a leitura percebi que tudo girava em torno de famílias seculares, que detinham os maiores e melhores pedaços de terra, e todas as formas de produção de alimentos e armas, e por conta disso se mantinham, ou, mantinham quem eles escolhessem, no poder, quase eternamente, transferindo a coroa de filho para filho durantes incontáveis gerações, tudo isso, claro, sob a benção dos seus deuses e a opressão de seu povo. O livro mostra um mundo como se fosse a nossa idade média, com muitas lutas sangrentas entre bárbaros e nobres e entre os próprios nobres. A grande disparidade é a existência de um rei sendo a figura de máxima expressão e poder, já que na nossa idade média o império estava em franca decadência e o poder se encontrava nos donos de feudos e na igreja. No mundo narrado do livro as pessoas viviam sobre a influência de vários deuses, não existindo uma religião dominante ou igreja forte. Então comecei a “viajar” no texto e traçar certas semelhanças entre a época dos reis deste livro e os dias de hoje, trazendo o assunto para as democracias atuais, para a política moderna, sobretudo a brasileira. Fugi do clima fantasioso do enredo, e me concentrei na conformação política e social citada na fictícia obra literária. A estrutura da sociedade exposta no livro é muito interessante, poderia mesmo dizer, inusitada. Existia um rei com poder absoluto – nem tão absoluto assim -, unido e apoiado por nobres famílias latifundiárias - descendentes desses reis ou com parentescos próximos e donos dos feudos -, e seus vassalos. Essas ricas famílias se submetiam as ordens do reino, e os vassalos juravam fidelidade e submissão aos seus senhores e a esse rei. Abaixo, socialmente, desses suseranos e seus comandados, encontravam-se os homens livres, representados por comerciantes, caçadores, selvagens e o resto da ralé sem sangue nobre. Hierarquicamente ficava assim composta esta sociedade: Rei, seus conselheiros, suseranos, vassalos e os homens livres. O rei era colocado no poder por esses donos de terra e reinava por tempo indeterminado, passando o trono para seus herdeiros quando viessem a falecer, ou, até que algumas dessas ricas famílias se revoltassem com o reinado dele, desta forma provocando uma guerra, derrubando o rei e substituindo-o por algum outro nobre, escolhido entre os vencedores. Ocorria, então, mesmo que de muito em muito tempo, uma troca de comando, mas, sempre ocupado por algum representante dessas famílias com sangue azul nas veias. No decorrer da leitura atinei para o fato de que hoje ainda existem as tais famílias seculares, onde os sobrenomes e a descendência influem diretamente na política daqui destes lados tupiniquins. Famílias aristocráticas que possuem os maiores e melhores pedaços de terra - assim como as famílias nobres do livro -, e detêm os meios e os modos de produção, conseguindo assim, manterem-se no ponto mais alto, ou bem próximo dele, tão longinquamente quanto os reis antigos. Quando eles mesmos não estão como protagonistas da estória, eles atuam como a mola propulsora de políticos em ascensão, participando como “coadjuvantes patrocinadores” do poder. Acredito que sem a ajuda desses “nobres senhores feudais” contemporâneos, desses soberanos sem castelo ou fidalguia, entretanto, possuidores de influência, privilégios, informações, aliados - de suspeitíssimas reputações -, e acima de tudo muito dinheiro, grande parte dos candidatos eleitos, com certa folga, e que hoje estão legislando e executando as leis do nosso país, não passariam de concorrentes inexpressivos. Refiro-me ao poder, dos dias de hoje, como qualquer cargo político do legislativo ou executivo, ou seja, vereadores, deputados estaduais, deputados federais, senadores, prefeitos, governadores e o presidente. Ao tempo que na época descrita no livro, os poderosos fidalgos arranjavam casamentos com a finalidade da continuidade da realeza e do sangue puro, sempre agregando poder ao poder, com isso perpetuando-se no topo; hoje em dia ocorrem os matrimônios partidários ou coligações políticas, que da mesma forma, faz com que políticos se mantenham no cargo por muito tempo, com a adesão, a principio, de forças politicamente estreitas, procurando abocanhar a fatia maior do bolo eleitoral através desses conchavos. Para que esses acordos aconteçam é necessário muito jogo de cintura, distribuição de cargos e muita grana. E é exatamente nesta hora que entram na jogada as velhas e poderosas famílias, repletas de raposas políticas, e seus nomes centenários. Eles usam o poder do dinheiro e da tradição e elegem com facilidade a maioria dos que escolhem para apoiar, fazendo desses apadrinhados verdadeiros fantoches submissos a suas ordens. Além das unificações entre partidos coirmãos, ideologicamente falando, também se vê ligações bem esdrúxulas. Nos dias atuais, as coalizões político partidárias juntam esquerda com direita, intelectuais com semianalfabetos, sem terras com especuladores rurais, proletários com empresários, misturando alhos com bugalhos sem nenhum pudor ou cerimônia, muito menos coerência de ideias ou compromisso com a ética. Hoje, para se conseguir o poder, não há a mínima nobreza nas alianças, acarretando em degeneradas combinações. Dois grandes exemplos de acordos politicamente contraditórios foi à aliança do PFL, hoje DEM, naquela ocasião tendo como maior cacique a figura controversa de Antônio Carlos Magalhães, com os tucanos do PSDB, para a eleição de Fernando Henrique Cardoso em 1994 para a Presidência da República, perdurando o acordão para a reeleição em 1998. O PT de Luiz Inácio não se fez de rogado e em 2002 juntou-se ao PL do empresário dono de um império têxtil, e um dos homens mais ricos do país, José de Alencar. Só assim conseguindo vencer a eleição e tornar-se Presidente do Brasil, conseguindo também a reeleição em 2006 e posteriormente eleger seu sucessor, no caso, sucessora, em 2010. Resumindo esse meu tolo devaneio, para que meus delírios não enlouqueçam de vez vossas cabeças, o que eu quero de verdade através dessa longa e insana crônica é igualar os reis e os nobres, da fantasiosa estória que estou lendo, com os políticos brasileiros de ponta na atualidade, os que estão no ápice do poder, e com as tradicionais famílias que eles fazem parte, ou, os apoiam. Os vassalos citados no livro seriam comparados a aqueles políticos de pouca expressão que se juntam aos já consagrados, recebendo o apoio para se eleger. E depois de eleitos não têm autonomia para atuar em benefício do povo, devido ao endividamento econômico e “moral” que fizeram para poder vencer, ficando com o chamado “rabo preso”. Os homens livres seriam o povão, ao qual, me incluo. São todos aqueles que não têm nomes tradicionais e jamais conseguirão fazer parte do poder se não se aliar a algum dinossauro político de família secular e rica. Então, para concluir, digo que a dança dos tronos no meu livro de literatura fantástica, tem tudo haver com a dança do poder aqui dos dias de hoje, da dita democracia brasileira. Os todos poderosos de famílias tradicionais mandam e os outros obedecem. Os que estão no poder ou os que patrocinam esse poder, os que fazem parte da nata, os crême de la crême, são sempre os mesmos, tanto lá na ficção que estou lendo, quanto aqui na nossa realidade política. De vez em quando eles se revezam, todavia, os que perdem espaço lá em cima, descem apenas alguns degraus, nunca perdendo de vista os lugares mais altos. O mais irônico disto tudo é que, como estamos numa democracia - ao contrário do livro que narra um império singular e nada democrático, onde os reis eram escolhidos através da guerra -, esses mesmos políticos de sempre, são eleitos por nós. Somos nós mesmos que continuamente os colocamos nos postos mais altos de nosso governo. Quando não são eles em carne e osso são os que eles indicam e protegem. Somos nós que fazemos deles reis perpétuos, vitalícios. Nós somos responsáveis pela “sarneificação” de nossos governantes. E o mais fantástico disso tudo, além do livro que estou lendo, é saber que nessas eleições vai tudo se repetir, e assim continuará ininterruptamente, como num círculo vicioso infinito.