EU JURO QUE VI!
Não tive como resistir aos escombros e ao entulho sobre minha cama. Abri os olhos com preguiça. O chão do quarto se recobria numa confusão de desordem. Vinha, ou saia do corredor, todo entupido?
Uma mistura de terra, ferro retorcido, cacos de vidro, sangue, pedaços de corpos, roda de avião... tudo dentro do meu espaço de recolhimento, se espalhando pelo quarteirão, se misturando a rolos de fumaça, e fogo, e as duas chaminés de cristal reluzindo em chamas, bem ali, fulgindo daquela minha janela eletrônica estilhaçada...
Ontem pela manhã, nesse mesmo horário, caminhei sob a sombra dos dois duendes. Pensei em Nenzinha. Àquela altura do dia estaria num mar de tranqüilidades tomando o seu desjejum... chá preto, meia dúzia de biscoitos, um favo de melão, um sorriso largo na face, enquanto tudo explodia pra fora do mundo.
O cenário era mostrado insistentemente.
A cada mordida na meia lua do melão, desviava os olhos enfumaçados e parecia dizer-me: você não vem? Eu desviava o olhar e disfarçava meu constrangimento. Fazia de tudo para não entender o que ela me queria dizer, como de fato, não entendia o que havia por trás daqueles olhos de felina.
Os feixes de elétrons, continuavam explodindo na tela!
O modo como ela pegava no garfo me deixava irritado. Vou sair. Caso contrário, a qualquer momento a coragem com certeza faria daquilo um fato inusitado. Não ia terminar bem. Lá fora, o tempo corria sem me esperar e ela... com aquela calma toda, mastigando cada pedaço e engolindo o chá como se estivesse num jardim de infância.
Um novo estrondo quebrou o silêncio e mais escombros foram expelidos. A nuvem de poeira era espessa, o barulho ensurdecedor. Não se podia ouvir o uivo dos cachorros. Corri à janela e senti o medo. Medo de que tudo aquilo viesse sobre mim. O pânico tomava do quarteirão e ela, só ela não fazia nada. Continuava ali, estática, mastigando pacientemente cada pedaço daquele maldito melão.Um homem passou e fez sinal para a janela. Sorriu. Chegou a vez deles, hein... – comentou sarcasticamente
Corri ao armário. Metido num jaquetão de couro, resolvi sair e me misturar à multidão. Um outro homem passa, puxando lentamente uma carroça. Nela colocava fragmentos do entulho; ferro, lata vazia de cerveja, garrafas vazias... lixo. Pensei no meu quarto, todo a ferros retorcidos.
A quantas anda, Nenzinha, o seu projeto de escrever um livro?.
Da última vez em que nos encontramos, me viera com um brilho diferente de olhar. Não mais queria saber de igreja. Era agora, militante de esquerda.
- Tomas uma cerveja comigo? Ah, ah, queria te ouvir... provoca.
Não fui. Mantive-me em meu canto de observação, ante aquele quadro Dantesco. Era uma pessoa muito perigosa.
Desci um lance de escada e ouvi o Metrô que deslizava sobre os trilhos. Tudo em ordem. Se não paralisaram o metrô!!!
Bem que poderia encontrar o homem da carroça e convidá-lo para entrar. Poderíamos fazer um banquete; tomar umas cervejas, fumar charuto, e rir. Cheguei à rua e não mais o vi. Uma multidão atônita... um fogaréu... das duas torres destruídas!
A rua se quedava em cinzas, o calor era insuportável... os elétrons não reproduziam essa sensação.
Aquela manhã ficaria para sempre na história.
A grande nação do Oriente, caíra fazia tempo e nem mais era lembrada. Era agora, tudo simples. Mandávamos e exigíamos que nos obedecessem, de joelhos. Lembrei de um amigo que dizia: “enquanto não tivermos uma força maior para se contrapor a nossos caprichos, teremos o risco da destruição sempre presente”. Imaginei logo que aquilo poderia ser ataque alienígena.
Da calçada observava a cena enquanto os dois edifícios se esborrachavam no solo, como um castelo de cartas. Um estrondo podia ser ouvido em todos os quatro cantos do universo. Não era ataque alienígena e nem cena de Hollywood. Os dois bólidos se lançaram propositadamente sobre os dois edifícios e vinham dali mesmo. Ruíam as almas gêmeas da ilha. Os dois grandes marcos de nossa não menos grande miséria levavam para o desconhecido o nosso orgulho. Imaginei que de repente viria o Super Homem e com o seu poder de homem de aço, faria um giro contrário no globo terrestre, e com um soco daqueles que "plocam" na tela, transformaria em ferro contorcido os dois aviões, antes que atingissem o alvo.
Nenzinha não dava sinal de vida. Por certo continuaria mastigando aquele maldito melão por um bom tempo, até chegar o instante de adotar um filho.
Bati a poeira do jaquetão de couro e caminhei. De muito longe, vinha o ruído de um riso sarcástico de quem se deliciava com aquela manhã incandescente. Não voltei pra casa e enquanto caminhava, vi o homem puxando seu carroção de ferro velho. Atrás dele, Nenzinha caminhava saltitando, ria, bailava numa perna, lançava o garfo sujo de melão no ar, e ria, ria muito como alguém que estivesse prestes a embarcar para o Afeganistão. Iria, antes que lhe jogassem um pedaço de kriptonita sobre os ombros...