Brasil - Democracia Só Até a Segunda Página
Brasil - Democracia só até a segunda página
Jorge Linhaça
A democracia deveria ser o governo do povo, emanando do povo e dirigida em benefício do povo.
A democracia, tal como nós a conhecemos, está bem longe de tal premissa.
O papel do povo no atual modelo democrático brasileiro, se restringe à obrigatoriedade do voto e da escolha de candidatos atrelados a legendas políticas que apesar dos pomposos nomes, muito longe estão de existirem para beneficiar a população como um todo.
O próprio fato de o voto ser obrigatório já nos priva da escolha de comparecer ou não às urnas, agregando a nossa ausência à votação, sanções que impedem exercer outros direitos, tais como o de trabalhar. Para regularizarmos nossa situação temos que pagar as multas impostas pelo não comparecimento.
A obrigatoriedade de um cidadão estar ligado a uma legenda para candidatar-se também cria um vácuo para aqueles que não pretendem sujeitar-se a serem marionetes de uma agremiação política.
O estado atual da lei eleitoral privilegia àqueles que encontram o seu financiamento dos pleitos junto a banqueiros, empreiteiros ou outros grupos que detém o poder financeiro, tornando-se reféns dos mesmos e tendo de defender os seus interesses após eleitos.
Os valores gastos para conseguir disputar uma eleição com possibilidades reais de êxito, superam, em muito, o valor dos salários que o “nosso representante” receberá ao longo de todo o seu mandato político.
Acreditar que tais candidatos tem algum vínculo real com a simples vontade de servir ao povo é como crer em um almoço de fim de semana com o papai-noel, o coelho da páscoa e o saci Pererê.
Além disso, a proporcionalidade, que nos enfiam goela abaixo, permite que candidatos sem número suficiente de votos sejam alçados a cargos eletivos sem passar pelo crivo das urnas.
Os chamados partidos nanicos sobrevivem de conchavos com as grandes legendas.
Jamais o povo é consultado quanto às leis que serão apresentadas e votadas nas câmaras e assembleias da vida. O papel do povo, a vontade do povo, a participação do povo, acaba no momento em que sufragam aqueles que encherão os bolsos de dinheiro tomados de uma perene amnésia quanto ao seu papel em um regime que fosse realmente democrático.
A imprensa, chamada de quarto poder, usa e abusa de suas preferências partidárias, endeusando alguns e demonizando a outros, segundo o interesse dos seus proprietários.
Fala-se muito em imprensa livre, liberdade de imprensa, mas isso é uma utopia.
Não existe imprensa isenta neste país, não existe, entre os grandes veículos, o compromisso com a verdade doa a quem doer. Mesmo a imprensa “blogueira” trava intermináveis guerras ideológicas apoiando este ou aquele candidato sem o menor compromisso com a verdade e o levantamento de dados isentos sobre todos os candidatos.
O horário eleitoral gratuito, essa coisa sem pé nem cabeça, privilegia alguns candidatos em detrimento de outros. Os grandes partidos detém 90% do tempo distribuído no rádio e na TV.
Que democracia é esta que impede que cada um tenha o mesmo tempo e os mesmos recursos para disputar um pleito?
Os debates patrocinados pelas redes de TV não passam de piadas de mau gosto, com perguntas previamente estudadas e aprovadas pelos assessores e sem a presença da maioria dos candidatos.
Quando candidatos menores ganham algum espaço, as regras do debate propiciam que os mais cotados tenham mais perguntas feitas a eles e respondidas. O que se vê é uma polarização premeditada e alavancada pelo próprio tempo de exposição que cada um tem na mídia durante o processo eleitoral.
Acreditar que, dentro dessas praticas, o voto é livre e isento, é um grande engodo.
O nosso povo acaba por não votar em quem tem a melhor proposta, mas sim naquele que parecer ser “menos pior” e capaz de fazer frente ao candidato que nos desagrada.
Nas eleições brasileiras as pessoas não se importam com cargos legislativos, elas votam em qualquer deputado, senador ou vereador, geralmente atrelado ao partido que pretendem apoiar por falta de opção.
Não dispomos de um dispositivo capaz de “deseleger” fulano ou beltrano se seu trabalho não se mostrar produtivo. Pior que isso, somos obrigados a engolir candidatos de outros estados que se eternizam às custas de votos de cabresto e poderio financeiro, além do apoio da mídia paga para apoia-los.
Existem figuras perpétuas no cenário político e que jamais moveram uma palha em prol do povo.
Não consigo entender o fato de a justiça não fazer uma devassa na vida financeira dos candidatos tão logo acabe um mandato a fim de comparar os seus bens declarados na candidatura com aqueles acumulados durante o exercício de seu mandato.
Seria interessante sabermos de onde vem tanto dinheiro e bens, geralmente em proporções muito além do que os salários e regalias lhes permitiriam acumular.
Gostaria de saber de onde vêm as fortunas acumuladas pelos caciques da politica brasileira.
Claro que se eu fosse eleito deputado, meus rendimentos seriam muito maiores dos que aqueles que eu já tive durante minha vida, meu corcel 77 iria ficar como uma boa e restaurada recordação do meu passado. Claro que compraria um carro melhor, me vestiria melhor, talvez até conseguisse comprar uma casa melhor.
Só não sei como é possível alguém em 4 anos construir um castelo , comprar mansões, ilhas, multiplicar dezenas de vezes o seu patrimônio apenas com os proventos de seu salário.
Falo de 4 anos apenas como referência, já que os custos para uma reeleição são bastante altos.
Natural que uma pessoa melhore de vida recebendo salários maiores...desde que essa melhora esteja dentro dos parâmetros de seus vencimentos.
“Democraticamente” não temos acesso a esses dados.
“Democraticamente“ não sabemos de onde vêm os milhões das campanhas.
Tudo é protegido por sigilo.
Mas, por outro lado não adianta culpar apenas os políticos profissionais, a culpa é nossa que nos encolhemos em nosso canto, não nos movemos, não cobramos mudanças, não nos organizamos além das mesas de botequim.
Somos em síntese uma sociedade de acomodados que, a cada dois anos, caminhamos como um bando de cordeiros ao matadouro para votar em candidatos que nos são impostos goela abaixo e que, no fundo sabemos que não governarão senão para seus financiadores de campanhas.
Iludimo-nos torcendo para este ou aquele partido como se o resultado das eleições fosse um campeonato de futebol.
O campeonato de futebol, pelo menos, não muda em nada nossas vidas, não interfere diretamente na saúde, na educação, na segurança, nas estradas...
Já os eleitos detêm o poder para negociar benefícios próprios em detrimento da melhora de vida do cidadão brasileiro.
Ou a sociedade civil se organiza ou viveremos para sempre nesse simulacro de democracia á espera do milagre de um “Salvador da Pátria” que jamais será formado neste contexto.
Pelo direito de candidatos livres de legendas partidárias.
Pelo fim do voto obrigatório.
Pela participação ativa da sociedade na criação e homologação das leis.
Por regras realmente democráticas que permitam a todos os candidatos o mesmo tempo e exposição na mídia, independente de partidos e coligações.
Pelos debates livres e com a participação não engessada dos eleitores.
Por uma democracia de fato e de direito.
Salvador, 5 de junho de 2006.