Um resto de homem

O ônibus parou em uma sinaleira, no centro da cidade. Havia grande movimento num desses quentes dias de verão. Eu estava sentado naquele banco único, que fica próximo à porta da frente. Dali pude ver que se dirigia ao ônibus um homem idoso e pobremente vestido. Trajava roupas velhas, rasgadas, botas de chuva cortadas em feitio de sapato, apesar do calor, carregando às mãos uma sacola puída, certamente pelo uso.

Esse homem olhou com simpatia para o motorista e fez alguns sinais, que não pude definir se ele queria entrar ou se perguntava se ainda daria tempo para cruzar à frente do veículo. O motorista, creio que também sem entender, apenas sinalizou um não, com a cabeça, dando partida ao ônibus.

O velho homem apagou seu sorriso com o olhar triste de quem está acostumado a receber “não!”, sem ser entendido e sem chances de se explicar. Percebi nele um olhar profundo de mágoa, por nunca ter recebido qualquer consideração.

Afinal, quem era ele? Apenas um resto de homem que anda por aí, abafando seus sonhos nunca realizados, já hoje sem coragem de sonhar. Apenas um resto de homem que come quando tem e dorme quando pode. Perdeu a juventude, por não ter um único apoio. Ele já não quer ser o mais belo, o mais importante, o primeiro da fila. Talvez gostasse apenas que o respeitassem como um ser humano, enfraquecido de nadar contra as ondas da vida, para ele um mar revolto. Talvez gostasse apenas que alguém um dia lhe dissesse o que ele sempre soube dizer: “ - Pois não, senhor?”

Rogério Nascente
Enviado por Rogério Nascente em 05/02/2007
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