CHICO BUARQUE, EU E AS MULHERES.


Por Carlos Sena
para Tatiana Bruscky

 
Sempre gostei de Chico Buarque. Sei que sua voz não é das melhores, mas é audível principalmente porque sua prosódia é maravilhosa. Contudo, o melhor de Chico é o seu traço artístico, digo, o seu ato de criação de suas obras tanto na literatura quanto na canção. Gosto de Chico também pelo nome. Não é um nome inventado tipo Fabio Jr, o conhecido nome artístico. Chico é Chico – agrega no nome o talento igual ao do nosso Luiz Gonzaga filho de Januário de Exu. Chico é Francisco como todo Chico, mas seu talento fez morada no nome popular, mas sem ser popularesco. Como o velho Chico - rio da redenção do Nordeste, o BUARQUE invade o país inteiro e alhures...
Gosto de Chico porque é Buarque e porque é Holanda e bem que poderia ser de Olinda. Sei que milhares gostam dele pelo conjunto da sua obra vigorosa e erudita sem se perder no gosto popular. “Quero ficar no seu corpo feito tatuagem, que é pra me dar coragem, pra seguir viagem, quando a noite vem”...  Romântico, ele se supera quando se transporta e se faz mulher em casa melodia. Diferente de alguns outros cantores, ele não canta uma letra feita para mulher modificando o gênero. Explico: se sua letra diz "estou apaixonada" é assim que ele canta. Isto não lhe afeta, pois o que ele mais sabe (acredito) é ser ele mesmo. Assim, canta como mulher sem modificar a letra: transporta-se para o imaginário feminino como poucos e invade positivamente o interior delas – se não tivesse essa capacidade talvez não fosse tão precioso nos temas que aborda acerca do universo feminino. 
Muitos cantam Chico. Ele tem duas preferidas intérpretes: Bethânia e Cida Moreira. Gosto muito de Bethânia – ela é mais fiel à construção original e ortodoxa. Contudo, Cida é mais visceral. Quando ela canta Chico modifica um pouco os arranjos. Sua impostação de voz chega a ser teatral. Utiliza compassos longos da melodia e leva cada canção como se fosse única, traduzida para o universo sob todas as línguas. Independente, gosto de quem canta Chico afinado. Não precisa ser ótimo cantor. Mesmo no boteco da esquina quem quiser cantar Chico tem que ter pronúncia porque o forte dele além da melodia é a letra ( sai pra lá Treló). Letra quase sempre pra se pensar depois de ouvir e, se for o caso, escrever a letra e a ler como se fosse uma poesia.
Numa das suas melhores canções, ele define saudade de uma forma nada usual: “A saudade é arrumar um quarto de um filho que já morreu” (...). A sua “BANDA” confesso que não mexe muito comigo, mas é forte enquanto mensagem, pois nos leva aos velhos tempos das bandas nas ruas e nos coretos. Carolina! Essa é do topo do seu trabalho poético musical. Nela eu me conforto com “Eu bem que mostrei a ela, o tempo passou na janela, só Carolina não viu”.

Chico não só se supera na musica e na letra. Ele soube ser cidadão que lutou pela redemocratização do país; foi perseguido pela chamada “ditadura militar”, mas não se calou. Buscou na competência que deus lhe deu e, embora sem falar falando, falou cantando:

 
“Vai passar nessa avenida um samba popular
Cada paralelepípedo da velha cidade essa noite vai se arrepiar
Ao lembrar que aqui passaram sambas imortais
Que aqui sangraram pelos nossos pés
Que aqui sambaram nossos ancestrais
Num tempo página infeliz da nossa história,
passagem desbotada na memória
Das nossas novas gerações
Dormia a nossa pátria mãe tão distraída
sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações” (...).

 
Como sentimos, Chico é mais que cantor ou compositor ou escritor: é sentimento puro e tem brindado nossa literatura com publicaçõe que são sucesso de crítica e de vendas e com qualidade comprovada talvez pela verve do seu pai. Neste final de prosa quero confessar: eu queria mesmo era escrever uma crônica que eu me desnudasse falando das mulheres como Chico faz. Confesso que tentei, mas acabei enveredando por essa quase que análise (que pretensão) acerca do pouco que sei de Chico – afinal seu pai é pernambucano e isto já seria outra coincidência. A mais importante que eu acho é o gosto de falar para as mulheres através da palavra. Chico não só fala e escreve, mas canta. Vou continuar tentando do meu jeito até que não seja traído pelas letras que me conduziram para este texto que agora concluo. Finalizo pela certeza de que se Chico se transporta quando fala das mulheres, eu sinto isto e tiro proveito: só fala bem do sexo oposto quem tem ele dentro de si. Será por isto que se fala tão mal dos gays por aí? A rigor ninguém quer ter um dentro de si, embora tendo... Embora sendo... Olha o preconceito aí, gente!