Golaço

Coletiva de imprensa. Luzes fortes e quentes na cara. Náusea, tontura, ansiedade. Aquele batalhão de repórteres famintos por frases que possam estampar os diários de esporte no dia seguinte.

“Quão grave é?”

Já não sabe mais se deveria continuar sendo educado e cordial como sempre foi na carreira. Grandes jogadores, extremamente habilidosos, técnicos e decisivos não se tornaram “lendas” por não ficarem de meias palavras com a imprensa. Falavam o que pensavam, e os repórteres que teriam que escrever bem sobre eles mesmo assim, com a resposta no campo. Edmundo, Johann Cruyff, Heleno de Freitas.

O panteão dos grandes craques não era seu lugar. Não conseguia dar a resposta esperada em campo sempre, sem precisar de apoio da mídia para garantir lugar no time. Mas agora tudo parecia ter chegado ao fim. Não fosse pela educação refinada que recebeu (quase um lorde inglês, mesmo tendo nascido na Bulgária), responderia de forma arisca.

“O bastante para que eu deixe de desfilar nos gloriosos gramados deste país.”

O frenesi das máquinas fotográficas, das perguntas incessantes, o burburinho que só parecia ficar mais alto, as luzes fortes e quentes na cara, a náusea, tontura, ansiedade, desespero. Por que deveria colocar as coisas daquele jeito? Assim, sem mais nem menos, de repente, sem preparar o terreno para a declaração?

“Vai com calma, não seja autêntico como eu sei que você costuma ser.” – aconselhou a assessoria de imprensa alguns dias antes.

“Paro porque amo minha vida. Amo o futebol. Mas amo mais minha família, meus amigos e tudo o que conquistei e tive ao meu lado independente do meu chute colocado de esquerda.”

Só não amava sua sanidade, talvez. Como, com 25 anos, idade que muitos atletas atingem seu auge, ele conseguiria sentar em casa e assistir aos jogos do seu time, de forma passiva? O que garantia que em um ataque de pânico ou surto de sensação de inutilidade não resolvesse arrancar o tumor com as próprias mãos?

“Mas é definitivo?”

Porra, como ele iria saber? Duas semanas atrás era o capitão de uma equipe média da Inglaterra. Mesmo sendo uma equipe média, havia atingido o que pouquíssimos jogadores profissionais já atingiram. Respeito. Fama. Dinheiro. Não esbanjava como os craques com contratos milionários, mas garantia o melhor que podia à sua família e a ele mesmo. Não havia a menor possibilidade de um fim repentino e precoce desses.

“É definitivo enquanto for.”

Alguns não entenderam, outros anotaram e fizeram essa frase reverberar por todos diários esportivos no outro dia.

Sentou-se na sua cama e ligou o videogame. Já haviam se passado seis meses. Sentia-se fraco e cheio de dúvidas. O que acontecerá? O cabelo fazia falta a ele.

Fez todas as bolas passarem por ele no meio campo quando jogou. A cada passe certo, um arrepio, uma nostalgia e uma saudade tomavam conta dele. Apertou o start, selecionou “Team Management” e escalou a ele próprio no ataque. Centro avante. Nunca havia jogado lá. Fez alguns poucos gols na sua carreira.

Quando a bola reverberou a rede e ele pode ver a face virtual da figura do jogador que um dia ele foi comemorando o gol, abraçando e caindo no chão com seus colegas de trabalho cibernéticos, desabou. Chorou como nunca havia chorado na sua vida. Como não havia chorado na sua última entrevista coletiva, e como não chorou na sua volta aos gramados.

- ***Dedicado a Stiliyan Petrov, jogador do Aston Villa, diagnosticado com leucemia em março de 2012.

Diego Biagi
Enviado por Diego Biagi em 04/06/2012
Código do texto: T3704536
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