Recordações

Recordações

*Por José Calvino de Andrade Lima

Para muita gente, recordar é coisa de velho. Recordam-se inexprimíveis oportunidades como se recordam fatos, pessoas...

Na minha mocidade fui ferroviário e meu pai era chefe de estação da antiga Great Western. Por isso, acredito, o trem está sempre presente em minhas inspirações. O trem é elemento presentemente constitutivo da literatura universal. No mundo de Émile Zola, por exemplo, em sua obra-prima “A besta humana” (aguardem “Maria Fumaça e a Besta-Fera”), o romancista refere-se sempre aos trens, ligado que foi, desde a sua infância, à ferrovia. Seguindo a série sobre a ferrovia, achei por bem ilustrar esta crônica com as fotos do Museu do Trem e da antiga estação Floriano (hoje estação do metrô com o mesmo nome), na qual trabalhei na década de 60. “ O passado nos atropela através das lembranças...” (Mara)

“Que lindo poema, Calvino. Quando estive no Recife fiz questão de ir ao Museu do Trem... Emoção demais para quem viajava todos os dias de Socorro ao Recife, para estudar no colégio Carneiro Leão.” (Risomar). E foi através dos gentis comentários de Mara e Risomar sobre o poema “Trem Fantasma”, que me veio a lembrança de quando trabalhava como telegrafista na estação de Floriano-Socorro.

Muitos soldados do então 14º Regimento de Infantaria (14 RI) ficavam esperando o chamado “trem do soldado”, destacadamente as estudantes do colégio “Medalha Milagrosa”, que estudavam pela manhã e largavam quase no mesmo horário (11:30). Só que o trem que as estudantes embarcavam, geralmente chegava atrasado, e a plataforma ficava cheia novamente, sendo que ao invés de avalanches verde-oliva dos soldados, predominava o azul e branco, as cores das normalistas. Era quando a plataforma ficava mais bonita com o brilho colorido das jovens estudantes. Ironicamente logo apelidaram de “trem das normalistas”. Elas conversavam muito comigo e gostavam de me observar manipulando o telégrafo concedendo licença dos trens e principalmente ao trem que elas iriam viajar. Antes, porém, ao comunicar ao movimento dos trens, pelo telefone e a hora de chegada e partida dos anteriores, elas passavam e me chamavam de “relógio”. Eu achava graça com as brincadeiras delas: “Que horas o trem vai chegar, relógio?”

Contei essa história ao saudoso poeta-cantor e locutor da Estação Central do Recife, o boêmio Almir Távora, à noite, quando largávamos, sempre íamos ao inesquecível bar Central, e lá ele cantava “Relógio” de Adilson Ramos, e “Normalista” escrita por David Nasser, respectivamente : “Porque não paras relógio/ Não me faças padecer/ Ela irá para sempre/ Breve o sol vai nascer... Embalado, eu acompanhava o “trem”: “Detém as horas relógio/ Pois minha vida se apaga...” E Almir soltava seu vozeirão “à la Nelson Gonçalves”:

“ Vestida de azul e branco / Trazendo um sorriso franco / No rostinho encantador / Minha linda normalista / Rapidamente conquista/ Meu coração sem amor / Eu que trazia fechado / Dentro do peito guardado / Meu coração sofredor / Estou bastante inclinado / A entregá-lo ao cuidado / Daquele brotinho em flor... Novamente eu acompanhava: “Mas, a normalista linda /Não pode casar ainda / Só depois que se formar... “

Tempo bom, como esquecer meus 19 anos? Tão vivos... e, agora, são só reminiscências agradáveis, estas que não se perdem jamais.

Foto 1 - O autor, no Museu do Trem do Recife – 1985 –

Foto 2 - Estação Central do Recife, ano/82 (Foto do autor).

Foto 3 - Estação Floriano - Socorro/Jaboatão, 1962. Na foto aparecem, da esquerda para a direita, um praticante de Estação não identificado, telegrafista Silva, assassinado na Estação Arlindo Luz, 1963, José Araújo Chefe da estação, Santino Guarda-Chaves e o autor de gravata de listra, sem o quepe e o paletó; mangas da camisa arregaçadas.

Nota do autor: Completo com ilustrações (fotos) no Fiteiro Cultural:

http://josecalvino.blogspot.com.br

José Calvino
Enviado por José Calvino em 03/06/2012
Código do texto: T3703493