História de bichos 2
À Mariano e turma
O Bar do Mariano localizado no ponto alto da Coxilha é um bar de esquina com mesas de “formiplac” com a televisão sempre ligada. É luz como farol no extremo sul do Brasil contando ainda com excelente lareira construída pelo Alemão, amigo e cliente. Naquela lareira podemos ver a especial atenção dedicada à obra com o fim exclusivo de lazer a turma. Maravilha de fogo crepitando nas noites tranquilas entre as pesadas friagens da invernia.
Temos também o atendimento impecável do mestre Mariano, sempre disposto a suportar as nossas extrovertidas funções etílicas. As melhores histórias que ouvi foram colhidas ali. Esta merece atenção.
Trata-se de um cavalo, mas de cavalo incomum. O fato ocorreu na campanha e na figura de personagem fictício que chamarei de Juca, sem prejuízo de outro Juca trabalhador e reservado na bebida. Este primeiro era contumaz no trago. Todo o dia apeava do cavalo para tomar canha na bolanta que ficava distante das casas. Bolanta do também fictício Guedes. São fictícios os nomes porque interessa apenas o fantástico da ocorrência.
Pois bem, Juca apeava do cavalo e ao contrário de amarrá-lo no arame da porteira, deixava-o partir rumo ao pequeno casario de Curral Grande. Bebia como cabra sedenta a cachaça purinha até ouvir os relinchos pontuais da montaria, horas mais tarde.
Mal desembarcava o dono sóbrio o zaino ia embora sozinho, mas retornava por si só, sem adestramento, sem ordem de ninguém.
Transcorridos alguns copos mais tarde voltava. Era o cavalo quem pedia o cavaleiro. Numa amizade jamais vista entre homem e animal. Ficava relinchando até surgir na janela à cara embriagada do dono. Alto do trago, trôpego, não conseguiria subir pelo estribo; o zaino então se ajoelhava, para melhorar a montaria do peão completamente embriagado.
Há testemunhos de que se deitava inteiramente para a subida quando o dono se encontrava completamente borracho chamando urubu de louro. Pontual como um táxi. Muitos relatam que o cavalo sabia perfeitamente quando Juca estava mamado até o pescoço. Farejava de longe. Alcançava o bolicho relinchando nos casos extremos de porre. Do contrário se aproximava calmo, manso, arrastando as rédeas soltas pelo chão. Zelo encontrado somente nos grandes amigos.
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A coxilha para quem não sabe é o bairro mais Praia do Hermenegildo de Santa Vitória do Palmar. É a parte da cidade onde as pessoas respiram o ar marinho bem em frente, pois a cidade é um grande balneário. Um balneário em toda a sua extensão. Santa Vitória do Palmar é um grande balneário que ninguém percebeu porque a identidade rural venceu culturalmente a imaginação coletiva. Um balneário entre o mar e a lagoa. Dos Palmares a Coxilha é o samba.
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