Coisas de crianças

Convivi com os meus filhos durante todo o tempo e em todas as fases de suas vidas. Essa convivência permitia que eu desfrutasse de todos os seus momentos. Presenciava o que falavam e faziam. Poder participar disso me fazia muito bem e foi uma das melhores coisas que já aconteceram comigo. Imaginem agora esse vasto material na mão de uma pessoa que gosta de escrever: em que se transformaria? Pois bem, foi isso que aconteceu. O resultado está em uns três cadernos de duzentas folhas, escritos com letra redonda e colegial. O “colegial” fica por conta de meu irmão. Ele sempre diz que minha letra conserva as características de uma escrita colegial. Fazer o quê, não é? O tempo vai passando e a minha letra continua colegial...

É bom lembrar aqui que meus filhos foram crianças como quaisquer outras. É importante que se diga isso para que não se crie uma antipática apologia “às gracinhas”, “aos encantos”, “às inteligências” deles. Toda criança é maravilhosa, pois carrega dentro de si a inocência, e Deus habita em cada uma delas. Precisa dizer mais alguma coisa? A diferença dos meus filhos para os outros foi que tiveram a sina de nascerem de uma mulher com mania de escrever e que passou todo o tempo ao lado deles registrando tudo. Posso dizer que nada deixei escapar. No final do dia, quando eles adormeciam, eu escrevia as suas historinhas. Se me perguntavam qual o objetivo daquilo, eu dizia que certos momentos não podem ser perdidos no tempo. É preciso que fiquem eternizados. E eles ficaram e têm sabores e aromas agradáveis. São um misto de brigadeiro e guaraná, de talco e sabonete pompom. E creio que têm sons também. Não dá para desvincular o som (ou seria balada?) de tudo que é bonito. Talvez dê até para ouvir as risadinhas gostosas deles e por que não dizer sonoras?

Tudo isso eu pude sentir hoje, ao folhear um desses cadernos. E como não é bom desfrutar sozinha dos bons momentos, escolhi dois para partilhar com os meus leitores. Ei-los:

Eu me encontrava na cozinha cuidando de alguns afazeres quando minha filha (ela estava com quatro anos) chegou muito contrariada, demonstrando que alguma coisa a aborrecera, e me disse:

— Mamãe, venha ver o que meu irmão fez no meu quarto!

Saí atrás dela imaginando encontrar algum malfeito. Ela caminhava à minha frente com aqueles passinhos espertos e diligentes. Assim que chegamos ao seu quarto, ela apontou para a parede perto de sua cama e disse irritada:

— Olhe só o que ele colocou aí!

Vi a foto do Zorro fixada na parede por um durex. Sem compreender a irritação dela com uma coisa tão simples, falei:

— Isso não tem importância! Ficou bonito, não ficou?

Ela abaixou os olhinhos, meio envergonhada e disse:

— Ficou, mamãe. Eu acho o Zorro muito bonito!

Com mais dificuldade ainda para entender, repliquei:

— Pode deixar ele aí então. Que importância tem?!

Ela olhou-me com uma carinha desconsolada e falou baixinho:

— Mas eu vou ficar olhando toda hora para o Zorro e vou acabar ficando apaixonada por ele.

Outro dia, ela chegou perto de mim com as mãos cheias de sementes de mamão, me mostrou a película que as envolve e perguntou se aquilo era plástico. Fiquei pensando como eu ia explicar a ela que fazia parte da natureza, ou seja, não havia sido feita pelo homem. Falei:

— Isto não é plástico. Foi o Papai do Céu que fez para proteger a semente do mamão.

Ela ouviu com muita atenção, mas não disse nada. Saiu silenciosamente, carregando as sementinhas, os olhos fitos nelas. Sumiu durante um bom tempo. Depois surgiu toda sorridente, estendeu as mãozinhas para mim (as sementes ainda se encontravam lá, só que estavam todas sem a tal película) e disse:

— Mamãe, veja só! Desmanchei aqueles negocinhos todos que o Papai do Céu fez nas sementinhas do mamão!

Déa Miranda
Enviado por Déa Miranda em 01/06/2012
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