passo E compasso
Passo e compasso
04/08/2011
Já ouvi para não apressar o rio porque ele corre sozinho. Mas o correr não é uma ação do rio, é muito mais uma reação dele.
Esta reação depende de uma série de fatores: dos ventos, da chuva, do desmatamento, dos movimentos da terra e até da lua.
Mas a sabedoria do rio consiste em saber usar as forças que a ele se unem. Nas enchentes ele se utiliza de suas corredeiras para ampliar suas margens ou retomar as que lhe haviam roubado. Nas reentrâncias da superfície por onde corre se utiliza da gravidade o que lhe dá velocidade e força. Das aproximações e afastamentos da lua em suas interações com o sol ele avança ou recua no seu desaguar no mar.
As conquistas do rio são exploradas de forma trágica. Destruição avassaladora, interrupção de estradas e ligações de suas margens, sacrifícios humanos. Na realidade o rio só cobra o que dele foi tirado. As estradas e as selvas de concreto que impermeabilizam suas margens canalizam as águas em um volume insuportável. Estas águas que lhe chegam de uma só vez, normalmente saciariam sua sede em época de sequidão. As ligações de suas margens por pontes qual grilhões, criam barreiras para seu continuo escoar. As vidas que ele sacrifica, como qualquer outra força da natureza faz, interferiram em seu curso de gerador de vida.
No seu correr sozinho é o rio que se assenta na terra que a ele se oferece. Qual uma artéria vital, seu leito se constitui do adequado caminho de seus passos entre sua nascente e seu desaguar e assim sendo é único e definitivo em suas indefinições de traçado e jamais permitirá interferências e transposições criadas por compassos.
Deixemos para os que virão, a imagem que temos na mente ao pensar no rio: a da mansidão de suas águas a refletir o por do sol no espelho tremulante de sua face. Deixemos o rio correr sozinho.
Geraldo Cerqueira