Quando o Silêncio é a Melhor Alternativa Heloisa Lima

Heloisa Lima- Psicóloga Clínica

Não vi a comentada entrevista da Xuxa no Fantástico, mas não pude ignorá-la porque em seguida, de forma repetitiva, fui várias vezes indagada a respeito no tocante ao abuso sexual por ela sofrida em sua infância.

Excetuando o surrealismo da revelação, ocorreu-me que aquela, certamente, não era a notícia que desejava ouvir logo no início da semana porque afinal, como uma mulher de 50 anos de vida, aparentemente esclarecida, só agora, passado tanto tempo, resolveu falar a respeito de algo tão grave ?

Parei para refletir e confesso não foi difícil descobrir, isto devido a Xuxa, lá pelo seus primórdios, ter vivido no mesmo condomínio do meu irmão, no Grajaú, RJ.

Lembro-me de minhas sobrinhas, ensandecidas, indo buscar as grotescas sandalinhas cheias de brilho no apartamento dela, na esperança em encontrar com o Pelé que, virava e mexia, dava as caras por lá.

Desde os seus 20 e poucos anos, ela comandou programas infantis cuja tônica foi erotizar precocemente crianças, transformando meninas em arremedos de mulheres sem se preocupar com sua vulgarização.

Esses programas por ela comandados sempre tiveram como mote atropelar o desenvolvimento infantil em sua exuberância, repletos de etapas simbólicas, pasterizando os encantos dessa fase e empenhando-se em exaltar a diferença entre possuir e não possuir os produtos que anunciava ou que levavam sua grife, tais como sandálias, roupas, maiôs, lingeries, xampus, bonecas, chicletes, cosméticos, álbum de figurinhas, cadernos, agendas, computadores, sopas, iogurtes e muito mais, tudo reunido em um universo insano onde ela, a Xuxa, eternamente fantasiada de insinuante ninfeta, fazia biquinhos e comandava a miúda plebe ignara.

Cientes estamos todos de que a Xuxa, durante muitos e muitos anos, defendeu zelosamente seu polpudo patrimônio, utilizando-se da fachada de menina meio abobada que sequer sabia quantos milhões possuía.

Costumava dizer que era a sua empresária, de nome Marlene, que administrava suas posses materiais, cujo montante alegava, candidamente, desconhecer.

Pobre menina rica, e burra com certeza, como se fosse possível alguém tão tapada tornar-se tão rica.

Talvez para esconder a consciência que tinha acerca do quanto ajudou a devastar a inocência de tantas gerações de menininas que lhe devotavam a mais pura idolatria, posou de inocente útil usando a mesma máscara que agora reedita para falar, emocionada, do seu mais novo pretenso drama que, em síntese, constitui mais uma jogada de marketing.

Esqueceu-se que sua audiência, formada na sua massacrante maioria por meninas, passou a ser considerada como alvo da desumana propaganda, colocando-as como mero veículo de consumo.

Esqueceu-se, convenientemente, de comentar que milhares de garotas pelo Brasil inteiro foram abusadas sexualmente no mesmo tempo em que eram, por ela, adestradas a vestir e comportarem-se como verdadeiras lolitas.

Esqueceu-se de que ensinou atitudes claramente ambivalentes para crianças que não faziam a mais pálida idéia do que podiam mobilizar em mentes doentias.

Esqueceu-se de que a erotização tem sido ligada a três dos maiores problemas de saúde mental de adolescentes e mulheres adultas: desordens alimentares, baixa auto-estima e depressão.

Esqueceu-se também que as crianças, diariamente bombardeadas com imagens de paquitas como modelos de uma beleza simplesmente inalcançável enquanto corpos reais, torturavam-se perseguindo um modo de serem belas, perfeitas, saudáveis e eternas.

Estimulando a sexualidade de forma tão precoce, essas meninas perderam grande e preciosa fase do seu desenvolvimento natural com a redução do período da inocência, o que acarretou-lhes desdobramentos nefastos.

Daí a idéia, cada vez mais presente, da infância como objeto a ser apreciado, desejado, exaltado, numa espécie de pedofilização generalizada na sociedade, o que se constituiu apenas em um pequeno passo.

Num país onde as mães deixam suas crias, por absoluta falta de opção, em frente à televisão sem qualquer tipo de controle e sem condições para discutir o conteúdo apresentado, encontrou a Xuxa terreno mais que propício para disseminar sua perversa e desmedida ganância por audiência e dinheiro.

Fosse ela uma mulher minimamente preocupada com a direção que a sexualidade exacerbada e fora de contexto toma neste país onde mulheres são cotidianamente massacradas, teria falado sobre este suposto drama muito tempo atrás.

Teria tido muito mais cuidado com os exemplos de exposição que passava.

Teria norteado seu trabalho dentro de parâmetros muito mais educativos e, dessa forma, contribuído para que milhares de meninas fossem verdadeiramente cuidadas e respeitadas.

Ou teria simplesmente virado às costas e ido embora.

Logo, frente ao seu histórico, não tem mesmo nenhuma autoridade para sustentar qualquer atitude fundamentada em belos e necessários méritos porque, são de grandes valores, bons princípios e atitudes exemplares, que a nossa sociedade necessita de maneira URGENTE.

Portanto, cale-se, XUXA !!!!!!!!!!!!

Meus aplausos!!

Bjosss,

Clara

Heloisa Lima
Enviado por Clara da Costa em 01/06/2012
Código do texto: T3700516