Vida de índio
Vida de índio
Nesses últimos dias, tirei para pensar na vida. Andei convivendo muito com a morte e dessa dor, a gente pode fazer muito aprendizado. O melhor deles eu acho que é a essência das coisas. Percebi que temos deixado muito dessa essência escapar entre os nossos dedos. Estamos nos materializando demais nos últimos tempos e deixando que a convivência e a amizade com as pessoas que a gente ama se acabem com a substituição de objetos que colocamos à nossa volta. Estamos sonhando em ter cada vez mais e deixando de ser cada dia menos. A influência dos bens de consumo tem nos sugado para uma luta sem fim em busca de coisas, que nem sempre nos trazem felicidade. Antigamente éramos felizes em poder ter uma bicicleta para chegar mais rápido ao trabalho e hoje queremos ter carros cada vez mais possantes, o último modelo, se possível. E se antes tínhamos um carro na família, hoje, cada um da família quer ter o seu, como se carro fosse um apêndice de nossa sobrevivência. É que queremos viver depressa demais, não temos mais tempo para perder caminhando pelas ruas, encontrando os amigos e trocando abraços, perguntando pela saúde e bem estar um do outro. Passamos frios e ausentes, de preferência com insulfilme nos vidros, para passarmos despercebidos no volante. Nossas casas, antes o aconchego de um ninho, hoje estão cada vez mais sobrecarregadas de móveis e eletrodomésticos ocupando o espaço onde antigamente nos reuníamos para falar besteiras e amenidades. Hoje chegamos em casa e cada um vai para o seu quarto assistir sua TV sozinho ou se instala na frente da tela de um computador para ver o que acontece no mundo e conversar com amigos nas redes sociais, enquanto os amigos ao lado são esquecidos e relegados ao segundo plano em nossas vidas. Acabou o diálogo entre as famílias, foi trocado pelo espetáculo da violência e da corrupção que virou tema da novela da vida real, onde protagonizamos todos os dias o papel de palhaços. Uma espécie de sentimento de culpa toma conta de mim por ter me deixado levar tantos anos por essa onda de frieza que me afastou de tantas pessoas que eu podia ter amado mais, ter convivido mais, conhecido mais e desfrutado mais da companhia, que agora nunca mais vou ter. Saudade e remorso doem muito quando começam mas sei que com o tempo, a dor vai amenizar um pouco. A lição estava muito clara nos livros da vida, mas na correria louca entre um trabalho e outro onde a gente aprende a se coisificar, eu não tive muito tempo para aprender. Só estou vendo isso agora. Aprendi que abri mão de viver a simplicidade dos momentos para conseguir coisas que na realidade não me fazem falta alguma. As pessoas sim, elas são tudo que falta. E se vão, enquanto as coisas ficam, frias e inertes zombando da gente quando fixamos o olhar no espaço que ficou vazio. Deveríamos ser como os índios, que vivem a simplicidade de suas vidas, retirando da natureza apenas o necessário para viver. Vivem a verdadeira essência de tudo, dedicando todo o seu tempo para aqueles que amam e que vão formar o seu ciclo de subsistência, vendo a natureza como a divindade que mantém a vida e o respeito como a base da convivência. Acho que estamos precisando conviver mais com os índios para encontramos o caminho da harmonia e do respeito ao próximo. Principalmente aqueles que estão lá nas alturas, cada dia se apropriando mais daquilo que não lhes pertence, como se precisassem levar riquezas para outras vidas. Coitados, são outros que se transformaram em coisas e não tiveram tempo para aprender as lições da vida. E depois dizem que nós é que somos civilizados...