Há bares, e bares

Existem diversos tipos de bares por aí; tem aquele em que se vai para rir, aqueles em que se leva uma garota para um chopp e uma porção de alguma coisa frita, aqueles de esquina em que se vai com os amigos, fugir da namorada e beber um pouco mais do que se devia enquanto todos no lugar tecem anedotas, a maioria um tanto, deliciosamente, vulgar. Neste em que me encontro, os sonhos vêm para morrer.

Numa ruela escondida no centro duma cidade, existe uma portinha que, sempre aberta, leva a uma escadaria tosca e suja, que termina num ambiente fedendo a vômito, urina velha e tristeza. O lugar encontra-se sob uma deprimente meia luz, deixando diversos pontos numa penumbra que beira a escuridão, em cada um deles uma alma perdida. Outras se encontram sob cones de luz embaçada por uma enjoativa fumaça estagnada e acre de cigarro vagabundo. Duas mesas de sinuca, desgastadas e com uma ou outra caçapa furada, meia dúzia de tacos, dois já sem ponta, repousam abandonados numa parede com o reboco despencando. Num comprido balcão de madeira mal pintada apoiam-se mais um tanto de desmortos, sentados em altos banquinhos que ameaçam ruir. Encontro um lugar nele, o mais afastado que posso de qualquer outro e chamo o senhor de olhar pétreo , um grande bigode escuro, uma barriga saliente e uma indiferença aos moribundos ao seu redor, que faz lembrar-me dum agente funerário, e não se apressa para me atender.

Quando para em minha frente, com um gesto rude, deixa claro que é para que eu peça logo o que quero, uma cerveja barata e um uísque tão vagabundo que sem sombra de dúvida deve ter sabor de mijo velho. Sem muita demora chegam as bebidas, viro aquilo que tenta se passar por uísque e empurro o copo de volta, requisitando com um olhar que seja enchido novamente.

Com uma carranca, que quebra sua impassibilidade, diz-me que o pagamento vem antes de nova bebida; atiro-lhe uma nota amassada, pego outra e umas moedas de volta e vejo o copo outra vez com uma calculada medida daquele vira tripa. Olho em volta.

Este não é um bar para risos, ou lágrimas, é um bar para aqueles cuja esperança, vontade, alegria, ou qualquer outro sentimento que o seja, fora uma tristeza tão profunda que nem choro busca; um lar para desalmados. Ouço um resmungar nalgum, um suspiro carregado de anos de pesar noutro, uma praga ao meu lado, o som oco da cabeça de alguém caindo sobre o balcão duro.

Chega a ser belo o quadro ali pintado, talvez por a morte ser bela, e única na vida de cada um, e de todos, e aqui podemos vê-la nos olhos daqueles que ainda respiram; a morte em vida exala uma beleza impossível. Não sei me dói num peito que já não sente, ou se derrete um coração que não mais sente alegria, constatar a heterogeneidade da clientela sôfrega ao meu redor.

O esperado seria encontrar ali um punhados de peões prá lá de meia idade, um ou outro velho gastando os poucos tostões da aposentadoria em pinga barata que toma devagar, gente que já viveu bastante com muito pouco, quase nada, e simplesmente desistiu. Mas não é bem assim.

Uma mulher, ainda longe da menopausa, num vestido surrado, a maquiagem escorrida onde suas lágrimas correram pelo rosto magro antes de chegar neste lugar, onde secaram como todo o resto, fala sozinha numa mesa enquanto toma vinho duma garrafa de plástico. Um rapaz, sem idade para estar num bar, usando uma regata branca com marcas de suor sobre um peito mirrado, um boné de uma banda de rock qualquer sobre uma cabeça raspada, roxo sobre um olho ferido e vermelho do sangue seco sob o nariz quebrado, toma uma cerveja e luta contra algo que vem de dentro. Uma garota numa minissaia rota e uma blusa rosa suja, que mal tem carne sobre os ossos, os olhos fundos como poços vazios, a pele do rosto parecendo esticada sobre o crânio, anda desesperada dum lado para o outro do bar, buscando algo que ninguém sabe o que é. Pouco depois entra no banheiro com um velho obeso, que exala um odor de algo rançoso à distância de dez passos e de aparência maldosa. Sai um quarto de hora passado, arrumando a pequena saia, com marcas no rosto e nas pernas, uma nota amarrotada na mão esquerda e dispara aos tropeços em direção à rua. Segundos depois, sai o velho gordo com uma maligna satisfação estampada nas feições redondas de sua face, e com um ar de superioridade, encara todos a sua volta.

Peço mais uma rodada, de cerveja amarga e uísque que parece ter saído dum barril podre, pago o homem que parece alheio a tudo o que acontece pro lado de cá do balcão, viro o líquido cor de caramelo e, antes que ele se vá peço outro, pagando-o com as moedas que recebi de troco.

Agora já agradavelmente tonto começo a importar-me menos com os refugos a derredor, o que é exatamente o quanto eles importam-se comigo. A fumaça de diversos cigarros serpenteia lentamente espiralada até o teto, ou fica presa sob as lâmpadas que piscam ou não funcionam, a moça de minissaia retorna, com as pupilas do dobro do tamanho normal, dando mais voltas pelo assoalho do bar, que range em protesto a cada passo.

Fico ali, contando o pouco que tenho, vendo se consigo beber mais uma cerveja, e quem sabe um tempinho com a garota que passa estalando nervosamente os dedos e mordendo os lábios rachados.

Pietro Tyszka
Enviado por Pietro Tyszka em 01/06/2012
Código do texto: T3699705
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.