Um breve olhar
Diante das janelas dos prédios, tento divisar alguém que esteja me olhando, que esteja se perguntando: quem é aquela pessoa a me olhar?
Mas ninguém nunca responde...
Quando estou em meu carro, apressada, distante, vejo o mundo à minha volta como apenas um pano de fundo. As pessoas caminham, conversam, pedem esmolas no sinal. Eu me pergunto quem são elas, como são suas vidas, o que levou aquele homem até aquele local...
Mas nunca questiono realmente, apenas sigo em frente sem olhar para trás.
Mas no entanto, existe uma pessoa que me intriga e sempre o vejo no sinal.
É um homem magro aquele, com roupas simples, mas limpas. Ele tem vergonha pela situação em que se encontra, carrega um embornal de pano rude e nas mãos alguns papéis com o logotipo de um hospital.
Ele não fala me olhando nos olhos quando paro o carro no sinal. Ele balbucia algumas palavras, sons tímidos e enterrados. Seu sofrimento é grande, eu imagino. Não sei se é sofrimento físico ou apenas a humilhação de se passar por um pedinte.
O sinal abre e sigo em frente, mas não sem antes deixar uns trocados com o homem. Sempre.
Eu gostaria de saber quem é ele. De onde vem. Qual o mal que lhe aflige.
Mas nada digo. Nunca.
Apenas sigo em frente, com umas moedas a menos no painel do carro.
Lembro de meu pai, idoso e se recuperando de uma queda. Penso nele. Imagino sua vida sem mim, sem ninguém, sem dinheiro, parado em um sinal apenas esperando a bondade alheia, sem querer olhar ninguém nos olhos e esperando nunca ser reconhecido.
Faz alguns dias que não vejo o homem. Pergunto-me se terá sucumbido. Pergunto-me se eu poderia ter feito algo. Certamente sim.
Minhas lágrimas são silenciosas, mas ainda sim rasgam minha face como algo muito doloroso...
Será que perdi minha humanidade?