Argumento
Em casa, meu menino me abraça e quer me mostrar a poesia que transcreveu para a tarefa de português.
- Você encontrou o livro?
- Bem do lado do computador, pai.
E me puxa pelo braço até a escrivaninha do quarto.
- Que poesia foi?
- Peraí, pai.
E remexe a mochila em busca do caderno.
- Achou uma pequena?
- Pai!!! Espera!
É meio loirinho, meu menino. E grande. Enorme, em físico e coração. Cara séria, horário pra tudo, resposta pra tudo e uma bendita mania de me ligar pelo menos dez vezes por dia.
- Aqui, pai - encontra o caderno. - Veja aí.
Um caderno dos Simpsons. O garotinho do desenho animado com a bunda de fora.
- Tá lá no final. É pequena, viu?
Folheio o caderno. Letra espigadinha, como diz minha mãe, uma certa falta de capricho, mas tudo limpo, bem feito. Chego à última folha. Nada de poesia.
- Cadê?
- Taí, uai. Viu não?
Volto, página a página, com cuidado... Encontro. Poesia: "Argumento", de Francisco Alvim.
Leio. Dois segundos pra ler. Tem qualquer coisa errada. Releio.
- Filho, onde encontrou?
- No livro. Por quê?
- E é assim mesmo?
Ele fica calado. Diz muito, mas apenas com os olhos.
- Que que está acontecendo, filho?
Ele arria os braços, o corpo e senta-se na cama, mãos no queixo.
- Pai, era pequena demais, pai. Aí eu aumentei por minha conta.
Garoto danadinho.
- E a professora?
- O que tem ela?
- Disse alguma coisa?
- Não. Só torceu o nariz, como sempre.
Dou uma gargalhada.
- Dá um abraço aqui, meu pequeno poeta. E vá trocar de roupa pra gente ir ao clube.
E ele vai. Fico com o caderno na mão.
Poesia: "Argumento", de Francisco Alvim.
"Mas se todos fazem...". É isto a poesia de Alvim, apenas uma frase, funda e verdadeira frase, que meu loirinho complementa:
"Mas se todos fazem
por que não posso?
Eu sei, eu sei...
Adultos!"
O melhor dos argumentos sob o toque macio de um grande menino. A síntese da síntese de todos os argumentos sob o olhar atento de meu pequeno grande poeta.