NADA

Três livros volumosos sustentam o monitor do computador enquanto escrevo. Estão lá inertes, sem uso após lidos, servindo de base em silêncio. Mas, sobre a mesa onde eles se encontram muita bagunça pode ser vista, entre eles duas caixas de som há muito desligadas, um vidrinho de colírio contra pressão ocular alta, um bloco de papel com centenas de folhas aguardando ser úteis, um troféu de primeiro lugar da Jornada Cultural 2011, a pequena cesta de vime entulhada de canetas que vou ganhando ao longo do tempo. Tudo tem resquícios de lembranças e saudades, há um quê de nostalgia perpassando-me o olhar. ali na foto pendurada e esquecida na parede, uma noite, certo dia, instantes de outrora; no chão, levado pelo vento forte que entra pela brecha da janela semiaberta, papéis coloridos rasgados de algum presente recebido por razões agora olvidadas; no ar, o rastro repentino dum perfume abrindo um leque de imagens contorcidas pelos anos a rasgar recordações de outrora, de olhares lânguidos, de abraços perfunctórios, de apressados beijos que ainda assim deixaram marcas por conta dessa fragrância.

Sou, então, subitamente invadido em minha intimidade pela melancolia de um passado que já se tornou distante, mais que ainda permanece vivo e latente, e os meus instantes se tornam bucólicos, meu olhos se toldam embaçando-me o olhar. Me vem um veemente desejo através da lágrima inesperada caindo e molhando, descendo e pingando: sim, eu gostaria que você tivesse, todos os dias de nossas vidas, um tempo de seu anelo para me seduzir, para demonstrar avidamente o seu amor por mim, beijar-me repentinamente, abraçar-me de surpresa. Ah como eu gostaria disso, mas tenho que me contentar em ser eu mesmo a procurar o paraíso do seu corpo como alguém sedento num deserto mortal, impasse que entristece, dor tão vigorosa quanto a mágoa de não ser amado.

Em que meu mundo se transformou ao obedecer aos meus anseios? Por que ousei acreditar em sorrisos que, depois, percebi serem falsos? Qual a altitude de um sentimento transtornado pelo instante? Tudo, tudo mesmo desaparece no ar quando a paixão esmaece, quando já não se percebe ternura no olhar de quem ainda amamos. Meus pés cansaram de percorrer trilhas e rotas toscas e entulhadas de empecilhos em busca de algo que estava em meu próprio coração, a felicidade. Esta noite só preciso de um barril de abraços para terminar o dia, de oceanos de beijos para me excitar, do calor solar havidos em torneados corpos femininos que derreta o ímpeto dos meus desejos lascivos. Às vezes, chorando, sorrio, e, sorrindo, choro. Estranhas e incompreensíveis bobagens desse meu coração sem juízo. Amar é se entregar, é relaxar, é abraçar, é beijar, é gozar, é cantar, é ser feliz com a pessoa amada nos momentos que a vida conceder e enquanto um vendaval súbito não abalar os alicerces desse sentimento maravilhoso. Essa dádiva, infelizmente, nem todo mundo tem.

Vazia, a vida se torna abismo de melancolia, poço de apatia, toque de disritmia, lamento e nostalgia, tristeza, letargia, sem resquício de alegria, sem o respaldo da magia, sem o sonho maior da fantasia. Todo prelúdio de amor tem um quê de fascinação, de extremas descobertas, de inusitado êxtase. Mas quase sempre, no epílogo, tudo desvanece, esmaece, deteriora. Metade da vida passamos amando, provavelmente a maior parte dela sem ser amado por quem gostaríamos, a outra metade tentando amar. Não tenho mais quaisquer perguntas a essa altura da vida, receio estar com todas as respostas, e quando isso acontece deixa-se de sonhar. Porém, não me agrada perder os sonhos, peregrino em busca de mais indagações, de mais questões, de muitas interrogações.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 31/05/2012
Código do texto: T3698150
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