Histórias do sertão
Jorge me contou uma história que, de tão trágica, ultrapassou a linha divisória entre os limites da tragédia e da comédia e, ao invés de chorar, até agora estou me acabando de rir. Passava um programa na televisão sobre abuso sexual. Começamos a discutir o tema, fui dizendo minhas opiniões meio sem sal e meio sem açúcar. Foi aí que o quadro se reverteu. Olhe, Tânia, eu não sei disto de Xuxa, e nem dessas outras pessoas, mas sei de algo na minha terra e vou contar pra você. Eu era menino e, lá, no sertão, em minha terra, nada disto de tanto protocolo havia. Resolvia-se logo.Mas como assim, você está prestando atenção em tudo isto que diz o repórter? Ou você tá pensando no jogo de amanhã? Será que você tá cochilando diante de algo tão sério? Eu arranco seus cabelos.Não, estou vendo e ouvindo e você está me atrapalhando com sua conversa mole. E não me deixa contar como foi que vi isto quando era menino. Tá, então conte, vou prestar bastante atenção, pois se errar, a coisa vai ficar feia para o seu lado. Fique calada que seu curso de Letras não presta pra isto não. Lá no sertão a coisa era bem diferente. Tinha um homem, um fazendeiro rico. E que tem a riqueza com esta história? Fique calada, agora é minha vez. Tá, pode continuar. Então o fazendeiro rico tinha muitos bois e muitos empregados. Ele tinha também uma neta, conheci a menina, a gente brincava. Você foi namorado dela? Não, namorei outras, esta não. Então, um dia, a neta chamou o avô, o fazendeiro. Que foi, minha neta? Aconteceu algo? Vovô... Diga, minha linda bonequinha, tá triste? Tô, vovô. E o que foi? Por que você tá triste, me diga. Vovô... Diga, minha neta, que seu vovô vai resolver e logo você fica alegre. Vovô, o vaqueiro... Qual deles? Ela disse o nome. Que houve? Ele está doente? Morreu? Então é por isto que você está triste? Vovô... ele... ele... Ele o quêeeeeeeeeeeeeeee? Diga já. Ele... me alisou... O quê? Que me diz? Repita. A menina desandou a chorar. Ele... ele... ficou com aquela mão grande dele... alisando a minha perna... O avô saiu trotando rápido em seu cavalo branco. O cavalo corria chutado pelas esporas do fazendeiro. Voltou, entrou em casa, chamou um empregado e deu a ordem: traga fulano aqui agora. O mandado foi e trouxe. Sim, senhor, pois não, coronel. Boa tarde, seu fulano, sente-se, vamos tomar um café. Tomaram o café, nada parecia haver acontecido. O fazendeiro parecia o homem mais calmo deste mundo. Depois, olhou para o vaqueiro e mandou: abra a boca. O vaqueiro, acostumado a obedecer, estranhou aquela ordem e olhou ao redor da sala. Abra a sua boca. Abriu e, sem que se saiba o motivo, naquele momento em que abria a boca, fechava os olhos. Abra a boca e abra também os olhos. A ordem foi obedecida. O vaqueiro já era feio e com aquela boca aberta e os olhos bem arregalados, parecia um monstro. E que fez ele, Jorge? O que ele queria ver na boca do vaqueiro? Nada. Ele puxou a pistola e disse: ISTO É PRA VOCÊ NUNCA MAIS ALISAR FILHA DE NINGUÉM. Incontinenti disparou quatro tiros dentro da boca do vaqueiro que caiu morto ali mesmo.