Mais Estranho que a Ficção
pirulito com catapora |
Eu sei que é um nome de filme (“Stranger than Fiction”, 2006, Will Ferrell, Emma Thompson) e não estou tentando plagiar o título. Gosto tanto de filmes que acabo falando neles ou sobre eles o tempo todo.
O cinema, o “bom cinema”, claro, é uma arte especial, pois, de certa forma, envolve outras artes, é bastante completo. Nele estão presentes as formas, as cores, o som, as palavras, o movimento. A sensação de realidade é impressionate, você parece viver dentro da história. Coisas completamente absurdas ou irreais parecem verdadeiras quando colocadas na tela. É verdade que muitas delas vêm, de fato, da vida real. Por falar nisso, acho que nos últimos tempos algo estranho tem acontecido. Parece que o que acontece no dia a dia cada vez mais está fazendo concorrência com a ficção. As histórias mais absurdas, em todos os campos - tragédia, comédia, crime, drama, etc, - cada vez ficam mais comuns e não há um só dia em que não se veja algo que encheria as telas do cinema com furor. Tanto é verdade, que quando vejo um título de matéria no jornal ou na internet e acho estranho, vou verificar se eles estão falando de um filme, de uma peça de teatro ou se é uma notícia "pra valer". Outro dia estou “passeando” pela UOL e vejo uma história de pessoas vendendo pirulitos com catapora. Poderia ser uma nova comédia ou algo assim. Acontece que o governo do Tennessee realmente estava pensando em proibir a venda dos tais pirulitos: eu nem sabia que isso era verdade, que estava acontecendo. Claro, as coisas muitas vezes têm uma explicação lógica.
Mr. Burr |
Megan |
Lógica relativa, é claro. A explicação era que as crianças, chupando o tal pirulito, contrairiam a doença numa forma mais suave, imunizando-se, evitando ter a mesma mais tarde, quando adultos, em um formato mais violento. Há tantos aspectos envolvidos que é melhor nem discutirmos, mas que é esquisito, é. Vamos
agora para Coldspring, Texas, verificar uma outra história que apareceu no New York Times. Mr. Burr, um funcionário da escola local, era uma pessoa com uma certa deficiência mental, mas de uma índole muito boa e gentil, segundo as testemunhas da cidade. Certo dia, há alguns anos atrás, Mr. Burr aparece assassinado em seu trailer. Sangue para todo lado, o pobre coitado levou 28 facadas no pescoço, rosto e cabeça. É óbvio que a polícia precisava de uns suspeitos, melhor ainda, culpados, o mais rápido possível. A família Winfrey parecia ideal para isso. O pai, Richard tivera alguns encontros anteriores com a lei, ou seja, tinha antecedentes. A filha, Megan, era uma “doidinha” fazendo estrepolias pela cidade o tempo todo, e o outro filho, Richard Jr., bem eu não sei o que ele já havia feito. Não importa, os três juntos, perdoem-me a redundância, formavam um trio perfeito. No entanto, o xerife, Lacy Rogers, precisava de provas ou “evidências”. Além do fato de eles serem os réus ideais para um assassinato de tal porte, com a agravante de que o falecido Murr tinha dinheiro escondido em sua casa e os Winfrey precisavam muito do mesmo ( dinheiro, é claro, preechendo assim, o requisito da motivação ), o xerife não tinha nenhuma prova de que o hediondo crime havia sido cometido pelo pai e seus filhos. Daí aparece o especialista em cães farejadores, Keith A. Pikett, para obter dos mesmos a evidência forense tão necessária para que o povo e a justiça do condado fossem redimidos. E não é o que o esperto do especialista farejador conseguiu provar que o cheiro das coisas do morto tinham tudo a ver com cheiro das coisas dos suspeitos? Talvez esteja sendo leviano, aliás, tenho certeza de que houve mais seriedade e profundidade nas investigações do que estou tentando sugerir. O pai foi o primeiro a ser condenado – 75
Pikett |
anos de prisão, a filha, a seguir, foi condenada à prisão perpétua ( não sei que diferença faz, no caso). Ambos foram defendidos por um advogado nomeado pelo governo. O outro filho, Richard Jr. teve mais sorte porque, na época de seu julgamento, a família tinha juntado um pouco de dinheiro e conseguiu um advogado particular. Foi absolvido, mas esta história de o veredicto ser diferente porque os dois primeiros não tinham advogado próprio e o filho tinha um, bem isso é mera coincidência. Algum tempo depois, o pai é absolvido porque um tribunal superior achou que a história dos cheiros não “cheirava” bem. Começaram a aparecer relatos de que o mesmo especialista em “farejar canino” havia sido processado por fraude em outros casos anteriores. Nem pensem em culpar os cães, eu tenho certeza de que eles são profissionais e honestos, e seus cheirar é confiável e se pudessem falar, diriam, “estou cheirando isso e isso parece com o cheiro daquilo, por isso estou latindo” e completariam “Não vão botar alguém na cadeia por causa de um um mero odor, existem mais coisas a serem analisadas.” Mas quem disse que cão tem voz ativa num julgamento, o máximo que conseguem é ter um “farejar”ativo. Eu sei que o passado do pai, Mr. Winfrey “não cheira bem”, mas cheira pior ainda o resto da história. A Megan, mesmo caso, mesmo cheiro, mesmo tribunal, mesma cidade, mesmo xerife, mesmo tudo, advogado diferente, continua na cadeia...Acho que vai sair um dia. Só o Ser Supremo e os Winfley sabem a verdade e não ouso “chutar”, ainda mais aqui de longe, mas, repito, a forma como tudo aconteceu, perdoem-me, mais uma vez o termo, “não cheira bem”...Puxa, me empolguei e acabei perdendo o fio da meada. O que estava querendo dizer mesmo, que a vida de verdade, que aparece nos noticiários, é o melhor enredo. Ultimamente está dando de dez a zero em algumas histórias inventadas por escritores de filmes. Claro, a vida é a vida, você ainda precisa escrever um “script” (isso é pleonasmo?) para ela...Ainda sobre os Winfrey, até que tiveram sorte. No Texas, assassinato brutal, sem condenação à morte? Só prisão perpétua? Se o promotor fosse um pouco mais ousado e tivesse pedido pena capital, não estaríamos contando essa história...Não haveria nem cheiro dela ou dos suspeitos!
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