Uma Infância Conturbada

Durante a infância, é comum que as crianças vivam felizes e sempre brincando, que enxerguem o mundo como um parque de diversões. Contudo, isso não aconteceu com Richard, um garoto de dez anos que possuía a rotina de aprender a lidar com a tristeza e com os males da vida.

Os pais de Richard passavam boa parte do tempo trabalhando e, nos fins de semana, a atenção dos dois se voltava exclusivamente para o irmão mais velho de Richard. Por esse motivo, ele foi criado, durante toda a sua infância, por uma babá que não gostava do que fazia e só exercia aquela função devido ao alto salário que recebia no final do mês.

A babá de Richard maltratava-o constantemente. Ela o trancava dentro do quarto e o deixava sem comida por horas, obrigava-o a ir à escola vestindo trapos, sendo motivo de risadas para as pessoas. Richard nunca fizera um amigo sequer. Ele era humilhado diariamente na escola, os garotos das classes mais avançadas colocavam-no de cabeça para baixo dentro do vaso sanitário. E sempre que Richard tentava contar o que acontecera a sua mãe, seu pai o interrompia, alegando estarem ocupados. Quando o garoto insistia, era espancado sem dó. Nunca houve diálogo entre Richard e sua família.

Certo dia, quando descansava no pátio da escola, uma garota se aproximou lentamente, sentou ao lado de Richard e começou a fazer perguntas:

-Por que você vive o tempo todo sozinho? Você não tem amigos? Quer que eu seja sua amiga? (...)

Richard, com uma ingenuidade exacerbada, foi cedendo às perguntas da garota e acreditou que, pela primeira vez, tinha feito uma amiga.

Algum tempo depois, ela saiu andando de repente e gesticulou para que ele a acompanhasse. Caminhavam em direção a uma área velha e pouco frequentada da escola, que ficava na parte de trás da mesma. Passaram por um grupo de garotos que fumavam escondidos, por meninas adolescentes que ingeriam bebidas alcoólicas e dançavam de forma sensual para os rapazes. Ao verem Richard passar, eles pararam o que estavam fazendo e fixaram seus olhares no pobre menino que mal sabia o que estava por vir.

Todos eles se reuniram ao redor daquela criança e permaneceram calados por um longo tempo. Um deles se adiantou:

-Esse será o nosso brinquedinho de hoje? –Perguntou diretamente para a garota que tinha guiado Richard até aquele lugar.

-Sim, hoje eu escolhi carne mais jovem para vocês se divertirem. –Respondeu ela.

-O que vocês vão fazer comigo? –Richard perguntou assustado.

-Nós vamos te transformar numa menininha.

Richard não entendeu o que o garoto quis dizer com aquela expressão, mas não conseguiu pensar em algo melhor, começou a correr. Todos o seguiram, enraivecidos. Richard desviava das árvores e dos móveis velhos jogados no chão. Corria o mais rápido possível. Fugia como se estivesse se escondendo de um animal perigoso. Subitamente, Richard caiu. Quando tentou reerguer-se, era tarde demais. Tinha sido alcançado. Os garotos começaram a despi-lo, davam socos em seu rosto quando ele tentava fugir e, quando começaram a tentativa de estupro, a monitora da escola chegou acompanhada por dois professores. Tiraram os garotos de cima de Richard e o levaram daquele lugar. Ele estava em estado de choque. Não ouvia, não falava e, poucas vezes, piscava os olhos.

Havia sido salvo de uma tragédia naquela manhã. Por pouco.

Os acontecimentos recentes, somados a esse dia terrível, levaram Richard a chegar a duas conclusões. Primeira: As pessoas não merecem confiança. Segunda: Não há esperança.

Richard cresceu convivendo com essa realidade e com essa maneira de pensar. Entretanto, lá no fundo, pensava que as coisas poderiam mudar e se tornar melhores, esquecia, portanto, que a vida piora dia após dia e que, muitas vezes, ela é a principal responsável pela morte interior da maioria das pessoas, inclusive a dele.

(Texto III - A Vida de Richard - Coletânea de Textos)

Lianderson Ferreira
Enviado por Lianderson Ferreira em 30/05/2012
Reeditado em 08/01/2014
Código do texto: T3696142
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.