Um homem comum
 
            Um homem comum.  Como é mais do que comum hoje, estava sempre de jeans, camisa leve e mocassim.
            Pintava bem, bebia bem, comia bem e dormia mais ainda.  Gostava de dar sua caminhada, cruz credo ficar impedido de beber e comer o que gostava. Hoje todos sofrem com colesterol, diabetes, pressão alta e mais outras mazelas.  Muito incômodas, por sinal.  Uma chatura.
            Certa ocasião, nas suas andanças fez um trajeto diferente e foi bater nas bandas do cemitério.  Reparou que numa das capelas, tinham três, havia um morto, e mais ninguém.  Ficou curioso, parou esperando ver quem velava aquele homem, como veio a saber depois.  Ninguém apareceu.
            Mesmo de bermudas, resolveu entrar.  Lá estava o pobre, rosto lívido, inexpressivo como todo morto, totalmente sozinho.  Resolveu ficar.  Se aparecesse alguém, daria uma desculpa ou sairia sem dizer nada.  Mas não iria deixar o morto sozinho.
            Havia um bar bem em frente ao cemitério.  Repare que em cidade grande o fato é comum.  Atravessou a rua, pediu uma cachaça das boas, era bem mais cara, acendeu um cigarro e ficou meditando.  Por que o morto estava sozinho, sem ninguém para acompanhá-lo até a última morada?  Sem resposta, deu um breve trago na branquinha e um longo no cigarro, enquanto olhava para a capela.  Um varredor fazia a limpeza quase diante do lugar que ninguém gosta.
            Pagou, atravessou a rua e foi logo perguntando ao funcionário se o homem estava ali há muito tempo.  O varredor não sabia.  Havia a tabuleta com o nome Marcelino, o resto ele não lembrava.  Mesmo não acreditando em nada, rezou uma Ave-Maria.  “Mal não vai fazer”, pensou.  Pouco tempo depois o homem estava sendo enterrado.  Não ficara ainda mais sozinho do que estava, dentro do caixão.
            Quantos Marcelinos existirão e já passaram por este mundo?  
            Atravessou a rua, pediu outra cachaça, acendeu outro cigarro.  Pagou, saiu e continuou a caminhada.  Era um homem comum...
 
Jorge Cortás Sader Filho
Enviado por Jorge Cortás Sader Filho em 30/05/2012
Código do texto: T3695925
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