A INSÔNIA E SUAS CONSEQUÊNCIAS.
 
 
O abajour já se apagou e eu nem me dei conta da escuridão que se fez no quarto. Absorta, perdida em meus pensamentos, imagino um mundo irreal à parte de tudo. Ponho um disco na vitrola (há quanto tempo não ouço este termo) e as notas da canção parecem soar fora do ambiente. O tempo é cruel, implacável e curto. Muito curto. Ontem (ontem mesmo!) eu era a jovem que sonhava castelos que desmoronaram e hoje, me vejo avó, por condição de vida que me foi imposta (nunca fui mãe). Ou, quem sabe, esta é a vida que  escolhi, posto que seja a única escolha que eu tive. Nada posso fazer para mudar, mesmo porque fui contemplada com uma vida boa, sorte grande, privilegiada.
 
Saio na sacada do apartamento, décimo terceiro andar, e vejo a vida que se descortina lá fora. Os passantes noturnos, que vagueiam nas calçadas, apressados e comprometidos, são como folhas soltas ao vento, nessa noite de outono. Um outono que já foi inverno e agora se transformou em verão. Esta cidade é assim – quatro estações em um só dia.
 
A solidão é boa companheira de minhas noites insones, porque me permite refletir sobre mim mesma. Ah! Fosse eu uma fumante inveterada, acenderia um cigarro agora. Afirmam os dependentes do fumo, que ele ajuda a clarear os pensamentos. Será? E que vantagem há em clarear os pensamentos e escurecer os pulmões? É, mas eu não estou aqui para críticas, nem para evasivas que não sejam o foco de minhas reflexões.
 
O disco terminou de rodar e arranha estacionado na mesma frase do último refrão. “O que será, o que será, o que será......” Preciso dormir; daqui a pouco amanhece e meu dia será cheio, como tem sido nos últimos tempos. Aproveito a manhã para cuidar de compromissos rotineiros (banco, fisioterapia, troca de celular que veio com defeito). Preciso retocar a raiz de meus cabelos, cujo branco já ultrapassou o limite do bom senso e da decência. Tenho uma encomenda para despachar por sedex e os correios são sempre lotados. Nesta cidade, em todos os lugares, tem sempre muita gente fazendo a mesma coisa. Hoje será um daqueles dias em que passarei grande parte na rua. Almoçarei fora, não vai dar pra voltar a tempo para o almoço. Já deixei tudo preparado para meu marido.  Será que convido uma amiga pra me fazer companhia? Talvez... Mas estou sem celular. O maldito travou e não há nada que o faça funcionar. Hoje será uma briga feia na loja em que o comprei.
 
O movimento lá embaixo mudou de ritmo. Já não são mais os noctívagos errantes que vagueiam nas calçadas, mas trabalhadores apressados se dirigindo ao trabalho. É, mulher, já amanheceu. Parei! Bocejos... Acho que exagerei na dose de Sertralina ontem. Talvez eu tire um cochilo, quem sabe...
 
 
(Milla Pereira)  



 
§ ÓTIMA QUARTA-FEIRA A TODOS! §