Inverno capitalista
Juro que desejo a sorte à senhora, sorte de achar alguém compadecido com a causa, alguém de bom coração. Mas convenhamos que nos dias de hoje a incredulidade fala mais alto que qualquer coisa.
Não tive a clemência de conceder o favor, mas simplesmente o desejo de não ser enganado que foi meu obstáculo. “O dinheiro não é meu senhora, desculpe”, “não, não posso...”, proferia estas frases, que em sua maioria eram verídicas, na mais deslumbrante cara de pau: vestido socialmente, comprando uma nova blusa social (visto que havia sujado a que estava usando anteriormente), ao lado de uma amiga vestida igualmente à grande porte. E ainda recusei.
Reparei mais atentamente à figura que me suplicava a refeição, de idade, de cara manchada, com um frango assado respingando gordura e mais algumas miudezas que não mais lembro. Dizia vim de Minas Gerais. Implorou mais algumas vezes, perdendo o ânimo a cada nova palavra proferida. Até o homem mais frio ficaria encabulado sobre a situação. Pedia então para comprar a refeição, talvez o almoço, talvez o alimento para alguns dias. Você seria frio como fui?
Muitos devem estar lendo a narrativa e me chamando de insensível, que não faço ca-ridade. Vocês pagariam o alimento? Não desejo pensar malícia de todos que vejo, mas nos dias de hoje é enraizado no sangue pensar o pior. Aquela mulher poderia ter tido um prato de comida no dia, querendo apenas barganhar outro. Como acreditar? Escrevendo tudo isto agora, vejo que fico com poucos argumentos; eu soube que os tinha aos poucos na hora, mas lembrei de minha mãe recomendando não fazer estes tipos de coisa, experiências próprias que a faziam não decair perante tal situação. E se eu caísse numa dessas mesmas experiências? O dinheiro que tanto economizei para ter seria desperdiçado?
O que me tranquiliza a consciência é que nem todos pensam do modo como eu penso. Alguma boa alma deve ter comprado o frango gorduroso para a velhinha. Mas martela na cabeça a situação... Bem vindo ao frio do capitalismo.