DIPLOMACIA NO ÔNIBUS

Conversava com um ex-colega de Faculdade, o assunto: como andava o respeito entre as pessoas. Falávamos dos bons modos de como sempre que possível cumprimentar as pessoas, ceder lugar àqueles que tivessem preferência como: idosos, gestantes e demais pessoas que necessitassem. Comentava que isso virou hábito para mim que vez ou outra nem me dou conta vou em pé mesmo, mesmo havendo poltronas vagas.

Ele, meu colega, me contou que algumas vezes passou por situações estranhas que lhe aconteceram em tal empreitada. Numa vez ele percebeu uma senhora de muita idade entrar. Prontamente se dirigiu à mesma e lhe cedeu sua poltrona. Quando se virou para seu antigo lugar, com o intuito de mostrar para senhora qual era, já não estava mais vago, uma mocinha folgada já havia sentado lá, sem ao menos se importar com quem ou a quem se pretendia ceder o lugar.

Diplomático, meu colega respirou fundo. Olhou para a senhorinha. Cabelos brancos, meio arqueadinha pelos anos, com os olhinhos bem apertados – quase que fechados – talvez pelo brilho da luz e ou pelo brilho dos anos. Indignado ficou pela covardia. Não sabia se chegava lá e tirava a moça à força, se xingava até a mesma se tocar ou se ia até o cobrador pedir que alguém cedesse lugar à pobre senhora. Uma moça de azul, sem a mesma diplomacia do meu amigo, esbravejou escandalosamente “já tem bicho folgado neste mundo” sem ao menos disfarçar a quem se destinava tal observação – deveras merecida. – A invasora de poltronas alheias – mal-educada – estava escandalosamente ornada com quase um quilo de piercing e uma cara de quem acabara de acordar. Meu amigo – embora não precisasse de tal ajuda – agradeceu em pensamentos a moça de azul que fez o comentário e ficou feliz por não precisar gastar seu latim nem de sua diplomacia na reconquista de território.

A mocinha folgada com um sorrisinho amarelo levantou-se e cedeu o lugar para a vovozinha. Problema resolvido. A senhorinha seguiu lentamente até a poltrona. Não se sentou. Segurou-se entre as poltronas e ficou guardando seu lugar com seu corpo. Neste momento meu colega olhava a anciã e dizia consigo mesmo “agora ela senta”. E nada. Passavam-se uns três pontos e a senhorinha, ainda, em pé. Ela falou com sua estremecida vozinha: “tem que esperar esfriar, nunca se sabe quem tá doente e tem doença que se pega pelo calor”, soou como algo sábio, mas meu amigo remoeu-se não pela poltrona, mas pela paciência da dona. Pensou “temos que ter paciência com as pessoas de mais idade”. “Acho que agora já tá bom” – falou, nossa senhorinha, olhando para as pessoas ao seu redor -. Já haviam se passado mais cinco pontos. Nossa pacienciosa senhora assentou-se e sorriu. Meu amigo me confessou – sorridentemente – que já estava de plano de requisitar de novo sua poltrona – brincou -. Respirou fundo. Consultou seu manual de boas maneiras. Percebeu que quase todos os vidros do ônibus estavam fechados e resolveu – não mais por ele que logo desembarcaria, mas sim pelos demais que ali ficariam – abrir as janelas e de uma só vez abriu umas cinco. “Ônibus lotado”, disse ao vácuo. “Tem doença que se pega pelo calor” concordou a senhorinha “e outras que se pegam pelo ar”. Com a cabeça alguns concordaram, mas com cara feia uns nem se manifestaram. Pensou “o povo não se importa com sua saúde, nem com a saúde dos outros, mas… quem sou eu pra mudar isso”. Acionou a campainha, e pediu licença, uns dez estavam na porta e nem se mexeram para deixá-lo passar. Decidiu dar uma forçadinha. Ele ouviu algumas manifestações dentre elas “tem gente que não tem mesmo educação” pareceu vir da moça de azul que tomou o lugar da vovozinha – mas não se importou – precisava descer. Olhou bem para as pessoas, pensou em revidar, engoliu diplomaticamente um “vá à …” sorriu amarelo e desembarcou.

(Marcio J. de Lima)